Foto: Frame It
“Temos variadíssimos casos de postos de trabalho com salários altos em que as pessoas nos responderam que preferiam estar no fundo de desemprego”
Miguel Velez, CEO da Unlock Boutique Hotels, explica como foi ultrapassar estes últimos 18 meses e fala ainda das medidas que urgem ser implementadas e de como o mercado se vai ajustar.
Raquel Relvas Neto
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Cinco anos e meio depois da sua criação, a Unlock Boutique Hotels não tinha previsto enfrentar uma pandemia no seu plano de negócios, mas na verdade empresa alguma imaginava a possibilidade de um cenário pandémico em pleno século XXI.
A tendência que surgiu com esta situação pandémica reforçou a visão que motivou o desenvolvimento da Unlock em 2016 e que, nos anos de 2020 e 2021, ganhou um novo ênfase: o crescimento da procura por hotéis boutique. Miguel Velez, CEO e um dos sócios da Unlock, explica que o posicionamento para o projeto era “muito claro”: criar uma rede de hotéis boutique em Portugal. “Quando criámos a Unlock, a tendência mundial era mais sobre hotéis boutique, mais pequenos, que representassem a cultura da região, a autenticidade da mesma”, recorda, acreditando que, nas condições atuais, os hotéis boutique estão melhor posicionados para o arranque do turismo.
Atualmente, com 16 unidades, que cobrem a área geográfica de Portugal continental, a Unlock ultrapassou a sua meta inicial de dez unidades, registando um crescimento mais rápido que o expectável. Esta oferta poderia ser o dobro ou o triplo se tivessem sido “menos exigentes”, conta o responsável, salientando que o conceito da rede é apresentar “uma oferta de hotéis muito única e autêntica”. “A nível de conceito, a Unlock é exatamente a mesma coisa como quando foi criada, com uma dimensão, importância e relevância maiores”, refere Miguel Velez, enaltecendo ainda a notoriedade que a marca alcançou tanto a nível nacional, como internacional.
Este ano, a Unlock passou a gerir mais três unidades que abriram portas no último verão – Albergaria do Calvário (Évora), Casa da Lavandeira (Baião) e Rosegarden House (Sintra), e as previsões são de abrir ainda uma ou duas unidades este ano, dependendo do comportamento do mercado nos próximos cinco meses, mas sobretudo de desafios que se impõem.
Como exemplo, do lado da procura, o CEO da Unlock destaca a importância que o mercado nacional teve nos últimos tempos e que ainda poderá ter nos próximos, mas, alerta, “não tem dimensão para tudo, (…) não vai ajudar a resolver os problemas de ninguém”. É aí que entra a necessidade de se apostar na mobilidade aérea, sobretudo para os mercados do Brasil e dos Estados Unidos da América, importantes para a Unlock e para a restante hotelaria nacional. Se um tem tradição de viajar para Portugal na sua época alta, o outro porque tem uma dimensão enorme da qual a hotelaria nacional pode beneficiar, e beneficiou até antes da pandemia. “Tem de se facilitar, dentro daquilo que são as medidas de saúde pública, o trânsito para este tipo de turistas e o número de voos que vamos ter [para estes mercados]”, sugere. A estes acrescem outros importantes mercados, como o espanhol, italiano e francês, onde é necessário apostar. E deixa um alerta: “Enquanto nós, portugueses ou outro país qualquer, estivermos a dormir, há outros [destinos] que estão acordados e quando isto tudo arrancar, há quem vá estar na linha da frente”.
No que refere ao lado da oferta, concretamente dos hotéis, existem outros desafios que se colocam. Segundo Miguel Velez, existe a necessidade da continuidade de algumas medidas já anteriormente implementadas como o ‘lay off’ simplificado, facilidades nos Pagamentos por Conta, IVA e IRC. “Tudo isso são medidas fiscais que têm rapidamente de ser disponibilizadas na minha perspetiva”. Quanto ao IVAucher, o responsável aplaude a medida, frisando que a mesma faz com que “haja uma menor fuga potencial a nível de impostos”, mas considera que existem alguns pontos que devem ser melhorados, como por exemplo abranger as reservas realizadas através de agências de viagens tradicionais ou OTA’s (Online Travel Agencies). “Nós, hotéis, ficamos muito contentes com as reservas diretas porque pagamos menos comissão, mas não ficamos nada contentes se as agências de viagens tiverem todas a fechar portas, porque dependemos delas também. Isto é um mercado e tem de dar para todos”, salienta.
Além das medidas do foro fiscal, o CEO da Unlock destaca ainda as medidas laborais “completamente desajustadas daquilo que é a realidade dos hotéis” e da necessidade que existe de serem revistas. O mesmo faz ainda menção a um tema premente: “Toda a gente se queixa da mesma coisa, não conseguimos contratar e não tem a ver com vencimentos. (…) Temos variadíssimos casos, de postos de trabalho com salários altos, muito altos até em alguns casos, em que as pessoas nos responderam que preferiam estar no fundo de desemprego”. Para responder a esta dificuldade, o empresário é defensor da criação de um incentivo ao trabalho, destacando os benefícios que o trabalho traz seja para os próprios trabalhadores, como sociedade, economia e país. “É uma coisa boa, não pode ser vista como uma coisa má. Só assim é que as sociedades evoluem, tão simples quanto isso”.
A dificuldade dos contratos sazonais também é identificada pelo responsável, que alude ainda à dificuldade que as empresas têm em pagar salários mais elevados ou premiar os seus funcionários. “Julgo que aquilo que temos de promover nas medidas ao apoio ao emprego é, efetivamente, premiar quem merece ser premiado”, salienta, explicando que a fiscalidade inerente aos ordenados faz com que os salários sejam “muito caros”. “Quando se diz que na hotelaria, em Portugal ou no geral, existem salários baixos, é verdade, mas ninguém paga mal porque quer”, indica, esclarecendo que o dinheiro disponível que um trabalhador leva para casa é menor do que o que se pretende devido aos impostos ao Estado a que as empresas estão sujeitas. “Por cada mil euros de salário, 237, 5 euros adicionais vão para o Estado, julgo que seria muito melhor se fossem para o trabalhador, porque a seguir [o dinheiro] entrava na economia. Aumentava o poder de compra, mas isso não é o discurso que é tido. Aquilo que as empresas têm de fazer, por um lado, é explicar o custo do trabalho e, por outro lado, encontrarem efetivamente formas que sejam compensatórias”.
Miguel Velez defende assim que “aumentar o vencimento disponível do trabalhador, é uma excelente forma de as pessoas irem trabalhar. Penso que na hotelaria e na sociedade em geral, há um conjunto de medidas que devem promover o mérito, o talento, o aumento, a promoção, a efetividade ao nível do mercado de trabalho”, pois, sublinha, “não conheço nenhuma empresa boa que queira perder um bom trabalhador”.
Performance
Apesar dos desafios que se impõem ao setor hoteleiro em geral, Miguel Velez revela-se moderadamente otimista, sobretudo porque acredita que existe uma grande vontade de viajar por parte dos hóspedes, mas também porque espera que o trabalho que a Unlock desenvolveu ao longo dos últimos 18 meses dê frutos.
“O facto de os hotéis terem tido clientes, de nos termos comportado bem, de felizmente termos conseguido sobreviver até agora de uma forma positiva, tem a ver com o trabalho, não tem a ver com outros factores. Esse trabalho foi de antecipação. O que temos de fazer nestes meses para a frente é baseado praticamente em experiência”, indica.
Se a primeira fase foi de sobrevivência, depois a Unlock adoptou uma postura mais agressiva no que refere a “ações de preço”, mantendo sempre unidade aberta nos destinos em que está presente, mesmo em época de confinamento.
Agora, o momento é de avaliar como se vai comunicar da Páscoa para a frente, “sendo que aquilo que temos para oferecer são experiências. Oferecemos um conjunto de experiências e é nisso que vamos estar os próximos cinco meses a trabalhar, quer mercado nacional como internacional”. No campo internacional, a rede tem estado ativamente a trabalhar desde há um ano em cinco mercados com cinco operadores turísticos principais para promover a sua oferta nestes países e estar preparada para quando o mercado internacional arrancar em força. “Espero que este final de ano possa ser melhor do que o ano passado. (…) Vamos ver quão positivas vão ser para o turismo”, refere.
Quanto ao crescimento da Unlock, Miguel Velez indica que, até à data, estão focados em Portugal. “Nestes meses passados, tivemos convites para Espanha, Itália, Inglaterra. Temos tido muitos convites para fora. A primeira questão é que temos de ser muito bons cá dentro, para podermos ir para fora e julgo que é um ciclo que estamos a construí-lo”.
Açores e Madeira aparecem assim como o crescimento geográfico natural da rede mais imediato, mas o responsável explica que este só se fará se for possível ter a continuidade nas ilhas dos circuitos Unlock, em que um hóspede visita várias unidades da rede. As duas unidades mencionadas anteriormente com abertura prevista ainda para este ano far-se-ão em território continental.
Concentração da oferta
O CEO da Unlock refere que com a pandemia, receberam muitos contactos de proprietários a pedir para gerirem os seus hotéis. Se nos anos recorde de 2018 e 2019, poucos eram os hotéis pequenos e independentes que equacionavam a necessidade de se juntaram a uma marca como a Unlock que fosse gerir os mesmos, partilhando os serviços de vendas, marketing, comunicação com as restantes unidades que compõem a rede, com a pandemia essa possibilidade foi crescendo. Porém, “não fizemos um único aproveitamento porque não era correto no mercado, independentemente dos hotéis serem interessantíssimos”, refere.
O empresário realça a tendência que se tem verificado a nível mundial, com o interesse crescendo das grandes cadeias internacionais em entrar no segmento dos pequenos hotéis boutique, pois, salienta, “sabem que o negócio vai desenvolver-se] para aí”.
Esta é uma tendência que o empresário admite que vá ganhar maior destaque daqui em diante. “A complexidade que foi, mesmo esta gestão da pandemia, ‘qual o procedimento, o que é que se faz, o que é que não se faz’, é muito fácil se tivermos dentro de uma cadeia, há uma norma e segue para todos”, afirma, salientando que as dificuldades aumentam quando se lida com estes problemas sozinhos. “Esta partilha que existiu entre hoteleiros, entre cadeias hoteleiras e entidades oficiais e associações patronais, entre confederações de turismo, veio clarificar que vai ter que haver um conjunto de sinergias. Há sempre quem continue cá sozinho e muito bem, há espaço para isso e haverá sempre. Mas nitidamente vai ter de haver uma concentração, seja ela da forma que for: com modelos Unlock ou outros modelos”, defende.
O empresário não deixa de salientar que, no mercado, os hotéis boutique e mais pequenos foram os que se “mostraram mais resilientes”, mas que podem apresentar alguns sinais de desgaste e, para encarar o período que aí vem, para “olhar em frente” é “muito mais fácil em conjunto”. “Não tenho dúvidas da concentração, como é que ela vai ser feita e em que moldes, veremos”, conclui