Zunzum Gastrobar: Há um Portugal moderno sentado à beira Tejo
O mais recente projeto da chef Marlene Vieira inaugurou em junho, junto ao Terminal de Cruzeiros de Lisboa.
Rute Simão
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A caminhada que nos leva do Cais do Sodré à Avenida Infante Dom Henrique é acompanhada pelo primeiro sol de outono e sempre com o Tejo de fundo. É a chegar junto ao terminal de Cruzeiros de Lisboa que percebemos, de imediato, que a viagem terminou – embora esteja outra prestes a iniciar-se. As letras garrafais e vermelhas roubam a atenção imediata de quem passa. ‘Zunzum’ é a palavra que decora a fachada cinzenta e discreta da contemporânea estrutura alocada na Doca do Jardim do Tabaco e que é a nova casa da chef Marlene Vieira. Cá fora, as mesas e os toldos igualmente escarlate servem de convite com o rio a oferecer-se como companhia, numa esplanada simples e confortável que não precisa de mais do que o enquadramento onde se insere. Lá dentro, vive uma elegância nascida da simbiose entre o branco residente e a luz lisboeta que irrompe pelas vidraças que roubam o lugar às paredes. O encarnado continua a ser inquilino, mas numa roupagem mais discreta, misturando-se entre os vários elementos. O espaço é amplo, descontraído e os diversos produtos portugueses saltam à vista das prateleiras que se vestem de mercearia. Doces, vinhos e conservas são alguns dos mimos disponíveis nesta pequena montra de um país de sabores.
Depois de fazer a primeira escolha – entre a esplanada à beira rio ou o aconchego da sala – e antes de mergulhar na carta, é imperativo solicitar a companhia de um cocktail. ‘Amêndoas à bulhão pato’, ‘Expresso da bica’ ou ‘Bombarral Oeste’ são algumas das opções, que, pelo nome, não deixam dúvidas sobre a portugalidade expressa em todo o conceito. O ‘Ronaldini’, homenagem à poncha madeirense, foi o nosso pairing. Com aguardente de cana da Madeira, sumo de limão, puré de maracujá, xarope de canela, manjericão e soda esta é uma perfeita homenagem à mais icónica bebida da ilha portuguesa, numa versão evoluída do conceito que conserva os sabores e a simplicidade, valorizando-os.
A carta que rima com partilha
A carta é extensa, divertida e repleta de produtos familiares que nos são oferecidos com novas roupagens. A curiosidade fica aguçada com o corndog de choco e camarão, a mini sandwich de rosbife em bolo lêvedo ou os ovos com farinheira. Há arroz de bivalves à bulhão pato, francesinha, arroz de pato e polvo à lagareiro. No fundo, há o Portugal de Norte a Sul que já conhecemos, pronto a apresentar-se outra vez.
A sapateira e abacate com ovas de truta traduz-se numa entrada fresca e leve que não deve ser ignorada. Ainda neste capítulo, o ceviche de espadarte com maracujá e pimenta da terra encaixa-se na gama de petiscos que coincidem com o sol que se espraia pela esplanada.
A filhó de berbigão à bulhão pato com coentros e limão come-se quase de uma só vez e deslinda-nos a criatividade impressa por Marlene Vieira em cada pormenor, fazendo-nos querer avançar. Contudo, o fôlego é retirado com a tartelete de bacalhau: o croustade de tinta de choco leve e estaladiço é a cama do cremoso brandade de bacalhau que repousa por cima do bacalhau escalfado e ervas. A antítese entre o crocante do croustade com a leveza sublime do brandade aliada à genuinidade das lascas de bacalhau oferecem um misto de sensações entre o familiar e a novidade.
A feijoada de carabineiro, com feijão branco, enchidos e coentros é a escolha de conforto da carta, ideal para sorver o caldo com os pães caseiros nas versões tradicional e brioche. O peixe do dia é um lombo de corvina que dorme num creme de cogumelos aveludado que se come à colherada.
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Aqui, a regra é a partilha e os pratos a passear por todos os vértices da mesa. Por isso mesmo, há ainda lugar para a carbonara de aipo e legumes da época que se declara como uma aposta vegetariana de conforto, encaixando-se em qualquer momento da refeição, pela sobriedade de sabores que liga de forma coesa com qualquer outra escolha do menu que a possa anteceder ou suceder.
O final desta experiência é amparado pelo enrolado de ananás dos açores com compota de ananás da ilha, cremoso de limão galego e biscoito de chá verde e pelos papos de anjo com hortelã e fios de ovos. O arroz doce à casa, envolto numa fina camada de chocolate branco é uma chamada obrigatória.
A apresentação de todas as opções, das entradas às sobremesas, é pensada com um cuidado meticuloso que nos rouba a tenção sempre que um prato desce sobre a mesa.
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O Zunzum Gastrobar, inaugurado em junho, é um espaço elástico no seu propósito e honesto no seu produto. A carta é portuguesa mas aqui o tradicional é também sinónimo de novidade e reinterpretação capaz de surpreender os conhecedores da gastronomia lusa ou pode ser ainda um excelente primeiro encontro para um público estrangeiro que procura um Portugal moderno com os sabores de sempre.