“Temos de esgotar os mecanismos de apoio existentes para que o turismo possa dizer presente”
Leia a entrevista a Bernardo Trindade, que fez capa na Publituris Hotelaria de maio.
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Depois da tomada de posse, Bernardo Trindade, novo presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), reforçou as diversas dimensões que terão de ser tidas em conta para o futuro do setor.
Entre a importância dos associados, programa HOSPES, mobilização dos recursos humanos, “Tourism Monitors”, diálogo com parceiros, a situação financeira das empresas, Bernardo Trindade adicionou as infraestruturas aeroportuárias, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a TAP, o “Click2Portugal”, um novo marketplace B2B como essenciais para a hotelaria dizer “presente” na recuperação do turismo em Portugal.
Tomou posse no dia 22 de abril. Que AHP e, fundamentalmente, setor da hotelaria encontrou?
Passámos dois anos terríveis, com a uma circunstância completamente nova, nunca antes vivida. Hotéis fechados, sem clientes, colaboradores em casa e, como é evidente, como a atividade económica do turismo toca em tantos sectores de atividade direta e indiretamente, tinha de se ressentir.
Curiosamente, também é nestes momentos em que o papel de uma associação centenária, que representa mais de 800 associados, justifica a sua utilidade. E o facto é que, durante este período de confinamento, em que tivemos que comunicar, fundamentalmente, por via online, tivemos oportunidade de assistir a uma ampla participação dos nossos associados como, também, de muitos convidados. E de facto, o espírito associativo reforçou-se claramente neste tempo.
Em períodos de grande fulgor económico muitas das vezes há uma tendência em individualizar os nossos comportamentos face a uma maior incerteza. Digamos que, esta dimensão coletiva, afirmou se, impôs-se. Sentimos isso na AHP.
E foi importante afirmar se?
Nem mais, e tivemos, de facto, um crescendo de novos associados exatamente por isso. Tivemos oportunidade de fazer um conjunto vastíssimo de conferências, online, que abordaram a generalidade das temáticas que constituem preocupação, seja a componente do financiamento, promoção, de aspetos que se relacionavam com o próprio processo de vacinação e os cuidados a ter em cada uma das nossas unidades hoteleiras.
Atualmente temos 821 associados. Fomos crescendo num período em que não houve muito investimento. Mas tivemos oportunidade de juntar outros, novas formas de empreendimentos turísticos, hostels, alguns alojamentos locais em resultado de uma determinada natureza específica e isso foi muito interessante. Porquê? Porque enriquece o debate interno.
Há, com certeza matérias que são preocupação global, a falta de recursos humanos, por exemplo, mas depois, dentro da própria tipologia do empreendimento turístico, a nível operacional, há questões que aparecem e que são muito interessantes serem discutidas e esse debate foi enriquecedor.
Relativamente ao setor, é preciso situar o período até 2019. Até ao aparecimento da COVID-19, o turismo em Portugal, com a hotelaria à cabeça, foi quem criou mais condições em torno deste objetivo primeiro que era pôr o país a crescer de forma convergente com a União Europeia, nomeadamente, crescer acima da média da União Europeia.
Tínhamos mais de 450.000 pessoas a trabalhar no setor do turismo. Portanto, estes foram anos absolutamente luminosos do ponto de vista do nosso contributo interno e externo.
Vem a COVID-19 e passámos a viver uma realidade que nunca vivemos na nossa dimensão coletiva, que é o facto de termos hotéis fechados, colaboradores em casa, clientes em casa.
E sem mobilidade não há turismo?
A atividade económica, o turismo, exatamente por aquilo que está a referir, porque depende da mobilidade para cumprir o seu objeto, foi completamente limitada. Mais recentemente, porque não é indiferente para a nossa avaliação, a questão da Ucrânia que determinou uma escalada de preços sem precedentes em todos os itens que constituem a cadeia de despesa do turismo.
Neste momento, estamos a sentir confiança nas receitas, os clientes estão a regressar. Portugal é um país que quer ser visitado por qualquer turista “all over the world”, sentimos confiança nesse regresso, mas estamos confrontados hoje com uma realidade diferente, que é de facto uma estrutura de despesa que encareceu todos os seus itens.
O turismo, a hotelaria são atividades de capital intensivo e estamos confrontados, não só em Portugal, mas a nível global, com a uma situação de escassez nesta área.
Em Portugal, e tenho dado este exemplo porque são dados que apurei junto da Segurança Social, entre dezembro 2019 de dezembro de 2021, perdemos 45.000 registos na Segurança Social, na atividade do turismo. Portanto, este debate vamos ter de o fazer. Como é que podemos criar as condições para tornar apelativo este setor que fez sorrir tanta gente nos últimos anos?
O setor da hotelaria deixou de ser ‘trendy’ para o mercado do trabalho?
Há uma questão que resulta da dimensão da escassez que é o recurso humano. É um recurso muito procurado, tem de ser valorizado, mas já estamos a valorizá-lo. Qualquer um dos nossos associados sabe, hoje, independentemente da região do país, que, para ter um quadro nos seus hotéis, tem de pagar mais e já está a fazê-lo. A hotelaria sempre liderou os salários no setor do turismo.
Depois há uma outra dimensão mais institucional. Nós somos defensores da concertação social, entendemos que deve haver diálogo entre empregadores e sindicatos, que podemos, no fundo, construir uma solução a contento de todos. Estivemos num debate com o SITESE para a revisão do nosso Contrato Coletivo de Trabalho, aceitámos fazer a revisão das categorias e dos salários em cada uma delas, com ganhos de causa. Indiscutivelmente, um deles, passou por fazer verter a questão do banco de horas, porque configura flexibilidade, adaptabilidade dos nossos colaboradores e atualiza e moderniza aquela que é uma relação de trabalho e queremos, obviamente, estendê-lo também à FESAP.
Obviamente que a nossa expectativa e o nosso ponto de partida são os ganhos de causa já conseguimos. Porque de outra forma seria regressar a um passado que o turismo reclama diferente, que as pessoas reclamam diferentes. No fundo, hoje fazemos um esforço para que o turismo possa voltar aos anos luminosos de 2018 e 2019.
Considero que, quanto mais ‘rigidificarmos’ a relação de trabalho, mais dificuldade teremos em recrutar. As pessoas querem, basicamente, melhores condições de vida, melhores salários, melhores benefícios e estão disponíveis para assegurar e ajustar-se a esse equilíbrio.
As várias dimensões
O programa HOSPES, a importância dos associados, a mobilização, os recursos humanos, o Tourism Monitor, o diálogo com os parceiros, a situação financeira das empresas, a contribuição para a riqueza do país, mereceram destaque no seu discurso de tomada de posse. Existe alguma dimensão prioritária ou trata-se de um trabalho contínuo?
Existem várias dimensões. Comecemos pelas internas da nossa relação com os associados. O HOSPES, programa de responsabilidade social criado em 2013, teve oportunidade de entregar 230.000 bens a instituições que, por sua vez, fizeram-nos chegar a milhares de pessoas. Isto é uma dimensão de solidariedade, de economia circular, que é fundamental fazer e que a hotelaria pode, deve fazer e tem condições para fazer.
Na questão recente da Ucrânia e num trabalho continuado, já tivemos oportunidade de doar qualquer coisa como 3.700 bens e tivemos a oportunidade de empregar junto dos nossos associados cerca de 29 cidadãos ucranianos. E a nossa ambição é continuar a fazê-lo e exortar os nossos associados a continuarem a participar neste programa.
Depois, uma outra dimensão interna que é de extrema relevância, é a adesão ao “Click2Portugal”, a nossa plataforma tecnológica, hoje com nova roupagem, através da qual, basicamente, procuramos promover cada um dos nossos associados, e não só, de adesão gratuita e fácil. Nós, hoje, em resultado também desta escalada de preços, estamos confrontados com uma realidade, que é poder refletir no consumidor, no cliente, este acréscimo de custos, podendo vender mais caro. Isso passa, muitas vezes, por reduzir a presença de intermediários. A redução de presença de intermediários implica menos comissões e, portanto, a possibilidade de vender diretamente. Ora, o “Click2Portugal” é uma ferramenta que cumpre esse objetivo. Não vende, não é transacional, mas remete para os sites dos nossos associados que podem consumar a reserva e por essa via, numa lógica de poder vender melhor, vender mais caro, termos essa plataforma de ajuda.
Depois, um outro aspeto que referi e que é muito importante, entendemos que para termos boas decisões precisamos da qualidade da informação. E os inquéritos, os Tourism Monitors, hoje numa plataforma que foi atualizada, tem essa capacidade. Mas, obviamente, uma plataforma não é um fim em si mesmo, precisa de informação, da participação dos nossos associados e, portanto, nós apelamos a essa essa participação.
Do ponto de vista externo. O que pedimos? Sabemos que depois destes dois anos e não obstante este regresso das reservas, a estes sinais positivos ao nível das vendas e da promoção de Portugal, temos uma estrutura patrimonial, os nossos balanços, que foram fortemente impactados.
Entendemos que há hoje instituições, organismos de política pública que nos podem ajudar neste esforço. E entendemos que o Banco de Fomento, criado com o objetivo de capitalizar as empresas, tem de ajudar.
Ora, isso pressupõe que o Banco de Fomento possa ser uma instituição muito ágil, muito flexível, com muitas soluções. E o apelo que faço é: este é o tempo de as instituições olharem menos para o seu metro quadrado e olharem mais para o interesse nacional. Temos de aproveitar este momento. O Banco de Fomento existe e faz sentido se estiver ao serviço das empresas, sobretudo neste objetivo primeiro que é o objetivo da economia, da capitalização. Mas não queria falar só do Banco de Fomento.
Foram lançadas linhas de crédito, os “Apoiares”, que foram muito importantes. Mas terminaram e temos de relançá-los. Tem de haver um novo “Apoiar” que permita, no fundo, olhar em função da dimensão da empresa, da região em que se localiza.
O setor foi ajudado, mas continua a precisar de ajuda?
O nosso ministro das Finanças anunciou, com pompa e circunstância, um crescimento da economia de 4,9% para este ano. Penso até que, relativamente aos dois primeiros meses, já superámos esses números. Já se sente um contributo muito significativo do turismo. Acho que não há Governo nenhum, sobretudo nos países do sul da Europa, mais dependentes da atividade turística, que não contem com o turismo para cumprir os seus objetivos.
Agora há uma parte em que temos que ser ajudados. Queremos empresas sólidas, queremos empresas bem capitalizadas? Então temos de esgotar os mecanismos de apoio existentes para que o turismo possa dizer presente. Nós diremos presente e cumpriremos a nossa parte.
É interessante, numa altura em que se discute um pouco também a importância do turismo na orgânica do Governo, olhar um pouco mais além. E há um aspeto que, apesar de tudo, me conforta, que é ter um ministro das Finanças com sensibilidade para as questões da economia, nomeadamente e, por exemplo, para a libertar cativações relacionadas com o Banco de Fomento.
Preço a pagar
No que diz respeito ao setor hoteleiro se libertar um pouco da intermediação é essa a intenção de lançar um marketplace. Haverá baixa de preço? Em que moldes irá funcionar esse marketplace? Será somente B2B?
Entendemos que o marketplace, um novo marketplace, num quadro B2B, coloca em diálogo quer os nossos associados, as suas diversas dimensões, quer os nossos parceiros. Será um processo liderado pelo Alexandre Marto e que, no fundo, põe em articulação todas estas dimensões. Nós estamos aqui para pôr em diálogo aquela que é uma dimensão hoteleira, mas também aquilo que são os serviços prestados pelos nossos parceiros.
Diria que, neste momento, o preço é um dos fatores fundamentais a ter em conta?
A questão do preço de venda é uma questão relevante. Estamos a sentir confiança nas reservas, mas sabemos que o preço, o ‘yielding’, é feito muitas vezes em função da ocupação do próprio hotel. Ora, se estamos a sentir confiança, reservas materializadas, é legítimo aspirar a que os preços possam ser tendencialmente um pouco mais altos. Até porque precisamos disso, já que estamos confrontados com uma espiral inflacionista relativamente à cadeia de produção que toca todos os itens. Por isso, temos de refletir isso no consumidor.
Estamos perante um consumidor mais informado, mais conhecedor, mais exigente?
Indiscutivelmente e isso também é um desafio para os hoteleiros. No fim do dia todos nós ganhamos, porque, obviamente, também prestamos melhores serviços a um cliente mais exigente. As pessoas, depois de dois anos em casa, querem sair, querem fruir, querem um bom hotel, querem ir um bom restaurante, querem uma boa experiência.
E estão dispostas a pagar mais?
Sim, claramente. Depois de dois anos condicionadas, com salário garantido, criaram-se condições de aforro diferentes.
“Via Verde” no aeroporto
Voltando à questão dos recursos humanos, apontou a mobilidade no âmbito da CPLP, como uma possível solução. O seu antecessor dizia, em outubro de 2021, que era preciso ter cuidado para não se perder a identidade. Como é que Portugal poderá beneficiar dessa mobilidade sem perder identidade?
Nós hoje estamos com tudo em alta. Temos as reservas em alta, os clientes regressaram, a empregabilidade em Portugal está em alta, mais de 4 milhões de pessoas, mas a empregabilidade no sector do turismo está em quebra. Portanto, temos de encontrar soluções. Uma das soluções que visualizamos e que nos parece muito importante, mas não é um fim em si mesmo, é o acordo de mobilidade CPLP. Já foi ratificado por vários países e Portugal pode ser um beneficiário desse movimento. Implica um “Simplex” ao nível dos consulados. Entendemos que um contrato de trabalho, um comprovativo de morada e um registo criminal limpo são condições suficientes para que essa mobilidade aconteça e queremos passar esse apelo aos nossos consulados para que atuem nesse espírito. Mas também o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) tem de ser um instrumento importante de política pública ao serviço das empresas. Ou seja, se estou a trazer estas pessoas, têm de me ajudar a dar skills do ponto de vista linguístico para cumprir este objetivo. Tenho expectativas que o IEFP possa ser um protagonista que nos ajude neste objetivo. No fundo, reduzir um pouco esta tendência que se que se veio manifestar durante a pandemia que foi, empregabilidade no máximo, mas a empregabilidade no turismo a cair.
Tem de se olhar para o turismo de forma diferente a partir de agora?
Espero que isso aconteça, mas se não acontecer, têm-me aqui para fazer vingar esses princípios. Portugal não pode, e ainda bem que me faz essa pergunta, dar-se ao luxo de desperdiçar clientes, de recusar clientes. E aí a questão das infraestruturas é absolutamente crucial neste esforço, a curto e a médio prazo.
Dois exemplos: o primeiro tem a ver com o SEF no aeroporto de Lisboa. 16 boxes para tráfego não Schengen, oriundo de países como os Estados Unidos ou Canadá, tem de existir uma “Via Verde” de acesso. O americano é um cliente com excelente poder de compra, disponível para gastar em Portugal, tem uma expectativa enorme em resultado dos prémios que Portugal foi alcançando. Não pode ter como cartão de visita estar três ou quatro horas para passar o controlo do SEF. E aquilo que peço ao SEF, não são 16 boxes abertas 24 horas, porque isso é impraticável. O que peço ao SEF são quatro horas de manhã, das seis às 10h00, e quatro horas ao final do dia, das 18 às 22 horas, momentos em que existe mais tráfego para entrar e sair do nosso país, respetivamente.
Isso em Lisboa. E nos outros aeroportos também há problemas?
Acontecem outros problemas como, por exemplo, na Madeira, onde estivemos a boa notícia do lançamento do concurso público relativamente aos aparelhos que medem a intensidade dos ventos na aproximação ao Aeroporto da Madeira. Este é um tema antigo e que não avançou, em primeiro lugar, porque faltava orçamento, depois porque veio a COVID, agora lançou-se um concurso com várias instituições a darem opinião sobre o desenho do concurso público. Os instrumentos de medida remontam à inauguração do aeroporto, década de 1960.
O que remete para outro atraso que é o aeroporto de Lisboa.
Portugal, como disse, não pode dar-se ao luxo de perder clientes, de recusar clientes. A nossa capacidade aeroportuária, em Lisboa, já estava esgotada em 2019. Neste momento, estamos à espera da avaliação ambiental estratégica para decidir relativamente ao futuro do aeroporto. Temos de avançar.
Perderam-se mais três anos. É dramático e quem acompanha o fenómeno da aviação e verificar que há um interesse imenso das companhias aéreas para programar Portugal, programar Lisboa, sinceramente, não consigo aceitar esta realidade.
A TAP deixou de ser tema?
No meu caso, não tem a ver com o facto de ter sido administrador não executivo da TAP e de ter acompanhado o dossier desde o primeiro momento, mas sou um empreendedor na área do turismo. Sei que o turismo depende da mobilidade para cá se chegar. Sei da importância que a TAP tem, nomeadamente, em destinos como o Brasil e os EUA, destinos que querem muito visitar Portugal. E nem sequer vou referir os contributos económicos de emprego, mobilização económica direta e indireta, número de fornecedores, percentagem do PIB. Enfim, tudo isso é obviamente importante. Agora eu, como empreendedor e dirigente associativo, que depende da mobilidade das pessoas que vêm para Portugal, não posso dispensar um instrumento como a TAP.
Uma dinâmica, além da digitalização, que surgiu com a pandemia foi a sustentabilidade. Como é que a AHP e os seus associados tratam ou vão passar a tratar esta dimensão?
Foi, de facto, uma dimensão que ganhou um espaço crítico durante a pandemia. É hoje uma preocupação quer dos hoteleiros quer dos nossos clientes. Os clientes passaram a ser mais exigentes, os hoteleiros passaram a ser mais ativos, incorporando esta dimensão na sua venda. Queremos ser um parceiro muito ativo nesta dimensão.
Acabou de tomar posse e o mandato vai até 2024, mas olhando um pouco para o futuro, o que gostaria de deixar como marco à frente da AHP?
Em primeiro lugar, afirmar a AHP como uma instituição muito credível e respeitada junto dos associados, dentro do setor do turismo e não só. Em segundo lugar, aumentar o número de associados. Em terceiro lugar, que as empresas hoteleiras pudessem estar mais capitalizadas até 2024, em resultado de uma intervenção importante do Banco de Fomento como instrumento de capitalização, que as empresas pudessem ser mais sustentáveis e mais solidárias. Realisticamente, entendo que, se estes espaços forem cumpridos, a hotelaria pode sair reforçada como atividade.