CM Porto: “O país pôs-se em bicos de pé demasiado cedo, o jogo ainda vai a meio”
O vereador do Turismo da Câmara do Porto fala sobre a estratégia de gestão do turismo na cidade face à nova realidade.
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Era um dos destinos que mais crescia antes da pandemia e um dos focos do investimento hoteleiro em Portugal. O Porto, à semelhança do resto do país, está a retomar a atividade turística, mas há desafios pela frente. Para Ricardo Valente, vereador com o Pelouro da Economia, Turismo e Comércio da Câmara Municipal do Porto, o ano de 2020 está perdido para o turismo e ainda é cedo para delinear um plano para dinamizar a atividade turística nos mercados internacionais, porque ainda não há certezas sobre quais os mercados de origem dispostos a viajar. Para o responsável é fundamental garantir a manutenção da oferta instalada, ou seja, não “deixar morrer os hotéis”. Porque, afirma, “o pior que podia acontecer era termos os turistas e depois não termos a capacidade de os servir bem”.
Face às enormes dificuldades que as unidades de alojamento enfrentam, devido à falta de clientes, qual deve ser o papel da câmara para mitigar estas dificuldades?
Do ponto de vista daquilo que é a estratégia do município do Porto, definimos sempre que o turismo é um vetor estratégico do desenvolvimento económico e social da cidade. Portanto, sendo esta crise pandémica sobretudo de mobilidade, impactou enormemente a atividade turística, de forma direta e indireta. O que significa que os ‘stakeholders’ do ponto de vista público, na minha perspetiva, têm, quando a crise sanitária estiver mais ou menos resolvida, encetar um conjunto de políticas muito ativas para voltar a dinamizar a atividade turística nos seus territórios.
O Porto já está nessa fase, ou seja, de delinear uma estratégia de captação de turistas?
A captação de turistas e a promoção de um território depende muito do que é a política de mobilidade. Ou seja, não adianta nada estar a investir recursos em mercados de origem que estão fechados. Penso que ainda é muito cedo, aliás, vê-se pelas situações que temos hoje em Portugal com estas guerras internas na União Europeia, com fecho de fronteiras a alguns países. Portanto, ainda é muito cedo para termos uma estratégia fechada, porque uma estratégia tem de depender de quais são os mercados que estão abertos e prontos a ser mercados de origem efetivos do turismo em Portugal. Ainda para mais, vamos ter uma crise do ponto de vista de recursos públicos. O município do Porto não vai passar incólume a isso, o nosso orçamento vai encolher de modo significativo. O que significa que a afetação de recursos a estas atividades tem de ser muito mais seletiva. Sou muito contrário à lógica voluntarista em tentarmos resolver rapidamente um problema, sem sabermos exatamente ainda qual é a nossa real capacidade de delinearmos uma estratégia que seja depois efetiva do ponto de vista de resultados. Julgo, muito sinceramente, que 2020 é um ano perdido. Vamos estar muito dependentes daquilo que é o sentimento dos mercados de origem e a capacidade das pessoas para viajarem. 2021 vai ser fundamental do ponto de vista daquilo que é a indústria turística nacional e o turismo no território do Porto e Norte.
Ao nível fiscal e de custos de contexto, que medidas a câmara já tomou ou prevê tomar que tenham impacto nas empresas de alojamento?
O município do Porto encetou um conjunto de medidas do ponto de vista de toda a atividade económica da cidade, que inclui a hotelaria. Isentou todas as taxas municipais relacionadas com a atividade económica na cidade do Porto para todo o ano de 2020, tais como licenciamentos, esplanadas, etc. O que é que não fizemos? Mantivemos a taxa turística, porque a taxa não é um custo da hospedagem, é pago pelo turista. Somos completamente contrários à ideia que, é pelo facto de retirarmos um ou dois euros, que as pessoas virão ao destino. Porto e Lisboa já decidiram que não vão retirar a taxa turística, ao contrário de outras regiões do país. Foi uma decisão conjunta das duas cidades, e o que vão fazer é reduzir os custos de contexto. O IMI, por exemplo, para todos os hotéis no centro histórico no Porto é zero. Esses hotéis representam 70% da hotelaria da cidade. Por outro lado, o Porto tem um conjunto de novos hotéis que ainda estão com a isenção dos cinco anos. Se me perguntar se mesmo assim estaria favorável a uma redução do IMI? Digo já que não. Sou completamente contrário à redução do IMI porque isso também nos levaria a ter que reduzir o IMI em todas as atividades económicas, porque todas vão sofrer o impacto desta pandemia.
Qual a razão por que revogaram o projeto de Regulamento do Alojamento Local (AL) na cidade? Podem voltar a abrir unidades de AL nas zonas de contenção?
É um mito urbano dizer que nas zonas de contenção há proibição total. Zona de contenção, como o nome indica, significa conter, não significa proibir. Do mesmo modo que Lisboa tinha exceções no seu regulamento à não cedência para AL, nós também tínhamos. O que está no decreto-lei é que a zona de contenção dura dois anos no mínimo e que pode durar menos em casos excecionais. O que entendemos é que, neste momento de fortíssima crise, não faz sentido nenhum estarmos a criar constrangimentos do ponto de vista de licenciamentos de AL. Esta é a primeira razão. A segunda razão é uma questão de equidade fiscal na cidade do Porto. Ou seja, o Orçamento do Estado de 2020, aprovado na especialidade com base numa proposta do Bloco de Esquerda, colocou as pessoas individuais que exploram AL nas zonas de contenção com um aumento enorme da sua tributação. Na cidade do Porto, 48% do AL é detido por pessoas individuais. Mais ainda, estávamos prestes a aprovar em regulamento, que ao contrário de Lisboa, que define áreas de contenção por freguesia, nós limitámos dentro de cada freguesia. Por exemplo, tínhamos o lado direito da Rua do Almada como área de contenção, e o lado esquerdo não era zona de contenção. Se levássemos a cabo o regulamento, o que iria acontecer é que iríamos ter na cidade do Porto alojamentos locais em frente um ao outro com diferentes tributações. Entendemos que é aprofundamento injusto, somos completamente contra esta lógica de alteração das regras a meio do jogo e entendemos que esta austeridade sobre a atividade económica num momento de crise é completamente contraproducente. O que fizemos foi revogar o regulamento do AL, o que na realidade é uma suspensão, porque não vamos deixar de regular o AL, o que vamos fazer é eliminar as áreas de contenção, neste momento. Mas iremos certamente apresentar uma proposta de regulação do AL na cidade do Porto ainda durante este ano.
Crise não trava novos hotéis
O investimento em hotelaria e alojamento local no Porto parou com a pandemia? Qual é o retrato atual e o que se perspetiva no futuro?
Em termos de projetos hoteleiros não sentimos nenhuma alteração. Os que estavam em obras continuam e mesmo aqueles projetos que tínhamos licenças para início de construção vão continuar. Do ponto de vista do AL, a situação é diferente. Temos cerca de 1/5 dos detentores de AL a tomarem a decisão de fecharem o negócio ou de alterarem o seu negócio de short term rental para o mercado de arrendamento tradicional. É compreensível que, face à tipologia de agentes económicos que exploram o AL (mais pequenos, não têm uma lógica de grupo, nem uma marca a defender), estejam a passar por uma situação mais complicada. Aí diria que a quebra é significativa.
Existe intenção dos promotores de hotéis alterarem os projetos para habitação?
Não temos sentido isso. Não tivemos nenhuma aproximação do ponto de vista de projetos em curso serem alterados para usos diferentes. Porque também é preciso ter em conta que a cidade do Porto tem uma capacidade hoteleira relativamente pequena. Acredito que noutros mercados mais maduros, com outra capacidade, isso possa estar a acontecer. Aqui não está a acontecer.
No início deste ano quantos projetos estavam em curso?
Em termos de licenças, temos 35 projetos em curso para hotéis na cidade do Porto.
Que medidas implementou a câmara para simplificar o investimento no Porto?
A câmara aprovou o REURB 2020, que é um sistema de apoio a todo o investimento imobiliário no Porto que se consubstancia em dois objetivos: uma redução em 50% de todos os custos de licenças e taxas urbanísticas; e a redução dos prazos de aprovação das licenças para metade. O que quisemos fazer foi, por um lado, acelerar a decisão e reduzir os custos deste tipo de licenças. Está em discussão pública mas parece-nos pacífico e muito brevemente será aprovado.
Taxa turística
Vão propor uma moratória para o pagamento da taxa turística pelos empreendimentos turísticos e alojamentos locais, permitindo o pagamento da dívida de forma faseada. Antes da pandemia a taxa turística revertia para mitigar a pegada turística na cidade do Porto. Como agora não há turistas, a verba angariada pela taxa pode ter outros fins?
Como sabe as taxas turísticas não podem ser consignadas. O que entendemos é que este conjunto de verbas que entra no orçamento do município deve ser utilizada para contrabalançar a pegada turística e assim continuará.
Não poderá ser alocada para promoção, face a esta nova realidade?
Já investimos milhões de euros em promoção. Se há cidade no país que investe em promoção turística é a cidade do Porto. A cidade colocou, nos últimos anos, na Associação de Turismo do Porto e Norte mais de um milhão de euros por ano. Qual é a cidade do país que investe mais de um milhão de euros por ano na sua associação de turismo?
Mas estamos numa nova realidade em que não há turistas e em que todos os destinos turísticos estão a competir pelos turistas. Pode haver necessidade de um esforço maior na promoção.
E vai haver. Não podemos é desvirtuar. O nosso entendimento é este: as pessoas não podem querer tudo e o seu contrário. As pessoas dizem que querem cidades que não tenham ‘overtourism’, mas depois as cidades, que já recebem milhões, ainda investem em trazer mais turistas, o que é contraditório àquilo que é a sustentabilidade do crescimento da atividade turística. Sempre dissemos, e acreditamos firmemente nisto, que o turismo de cidade é diferente de tudo o resto. Ou seja, não podemos ter na lógica do turismo da cidade do Porto, a mesma lógica que um destino como o Algarve que é tipicamente uma zona onde não há grandes metrópoles. Não podemos confundir as coisas e tratar o turismo na cidade do Porto do mesmo modo que tratamos o turismo no Algarve. Não podemos, nem devemos fazê-lo, porque o turismo tem de ser complementar. O Porto vai continuar a ser uma cidade turística, mas fundamentalmente uma cidade. É isso que atrai turistas à cidade do Porto. No dia em que transformarmos as cidades em resorts, é o fim do turismo em cidades. Somos muito claros: enquanto cá estivermos, o turismo tem de ser sustentável, tem de dar parte à comunidade local. O Porto é a única cidade do país que tem um fundo de apoio às lojas históricas. O município do Porto investe meio milhão de euros por ano a apoiar as lojas históricas e este dinheiro vem, em grande medida, da taxa turística. É a taxa turística que permite aportar verbas a este apoio ao comércio tradicional. O que quero no fundo transmitir é isto: a promoção é autónoma da taxa turística, não vamos nunca querer ligar as duas coisas. Se pergunta se o município do Porto vai investir muito na promoção nos próximos tempos, a resposta é claramente positiva.
Acessibilidades
Têm estabelecido contacto com companhias aéreas? Qual o feedback?
Tem sido relativamente positivo. Temos companhias com muitos constrangimentos do ponto de vista daquilo que podem fazer, sobretudo, aquelas que foram alvo de apoio estatal. Se me pergunta sobre a Ryanair e a easyJet, é claríssimo que a aposta destas companhias no Porto continua. As companhias que foram alvo de apoio estatal, nomeadamente o Grupo Air France/KLM e a Lufthansa têm um conjunto de normas a cumprir. Aliás com a TAP vai passar-se o mesmo. Implica cortes de slots em aeroportos, rotas, pessoal. Portanto, vamos ser claros: vai ter impacto na cidade do Porto, porque as companhias vão ter reduzir a sua dimensão. O que é relevante é que as rotas que se mantêm, corram bem. A questão fundamental é que o destino mostre capacidade de absorver a oferta que é criada num determinado momento. A partir daí, vai criar ele próprio a capacidade de auto sustentar o seu crescimento. Significa que, se tenho uma rota que tem um ‘load fator’ muito grande, é evidente que outras companhias vão perceber que há espaço para ser ocupado e vamos atrair outras companhias. Penso que este crescimento vai ser gradual. É muito importante que o arranque seja feito com muitas boas condições. Como num jogo de futebol, o que interessa é como o jogo acaba. Em Portugal há esta tendência. Aliás foi o erro do país com esta gestão do Covid-19 e estamos agora a pagar caro do ponto de vista da imagem internacional. O país pôs-se em bicos de pé demasiado cedo, o jogo ainda vai a meio e já estamos a dizer que ganhámos. A questão fundamental é garantirmos que aquilo que estamos a fazer vai correr muito bem, porque isso vai garantir segurança aos turistas e vai significar que as companhias aéreas que confiaram no país vão ter bons resultados. É um erro crasso não cuidarmos do que é essencial e estarmos com campanhas massivas para atrair turistas e depois correr tudo muito mal. É uma perda dupla.
O que é essencial para garantir esta imagem?
Mostrar um excelente trabalho do ponto de vista do controlo sanitário efetivo. Fomos muito rápidos a confinar e apostámos muito na lógica, enquanto cidade, de testar o mais possível. É muito importante que o país continue a testar muito. A outra questão fundamental é a garantia da manutenção da nossa capacidade instalada, ou seja, a garantia que não vamos deixar morrer os hotéis, os operadores turísticos, que não vamos deixar morrer este setor de atividade. Porque o pior que podia acontecer era termos os turistas e depois não termos a capacidade de os servir bem. O que temos de garantir é que a experiência no destino Portugal, e em concreto no Porto, pós-pandemia seja uma experiência tão boa como era antes. Este é o maior desafio.
Eventos
Os eventos e o MICE já são um segmento importante para as cidades. Que perspetivas de retoma pode ter este segmento?
Estou muito preocupado. Tenho alguma esperança, porque foi anunciado que o Web Summit vai acontecer. Percebo que Web Summit é importante, porque alguém que recebe 11 milhões de euros para fazer um evento, tem de fazer o evento porque tem um cheque de 11 milhões de euros à espera. Independentemente de considerar ridículo tudo o que se gasta no Web Summit, considero que vai ser o pontapé de partida para abertura do mercado eventos. Nas cidades, o turismo de negócios é fundamental. Estamos imensamente preocupados por não ter havido, tanto da Direção Geral de Saúde, como da tutela, na nossa perspetiva erradamente, uma postura tão assertiva relativamente a esta componente da atividade económica como houve para outras. Não conseguimos compreender como é que é possível haver concertos com duas mil pessoas, mas não é possível haver congressos com 500 pessoas.
Portugal tem duas cidades muito bem posicionadas, Porto e Lisboa, no ranking da ICCA, é relevante que muito rapidamente a questão dos congressos e eventos seja devidamente tratada, pela DGS e pela tutela.
Quando estima que possa haver uma recuperação do turismo?
Sou muito cauteloso. Neste momento o problema-chave é a incerteza. É verdadeiramente o nosso maior desafio. Temos de concentrar esforços nas variáveis que controlamos. Aí temos que ser muito exigentes: hotéis e restaurantes abertos, toda a atividade aberta e servirmos bem os turistas. Não tenho dúvidas nenhumas que, se as pessoas que vierem ao Porto, chegarem ao fim da viagem e disserem que o Porto está fantástico e sempre esteve, temos a guerra ganha. Se isto acontecer, vencemos a pandemia. Se a pandemia tiver o efeito das pessoas virem ao Porto e sentirem-se desiludidas vamos ter muito mais dificuldades.
Leia a entrevista na íntegra aqui.