Filipe Santiago
Opinião | O “excesso” de turistas em Lisboa
Leia a opinião de Filipe Santiago, managing partner da Blueshift, na edição 140 da Revista Publituris Hotelaria.
Publituris Hotelaria
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Basta passear em Lisboa para sentir o ambiente e perceber. Mas é na frieza dos números que se obtém a dimensão objetiva do fenómeno: o número de dormidas na região de Lisboa aumentou 53% nos últimos 6 anos, e em 2017 (acumulado a maio), aceleramos com mais de 12% de crescimento homólogo.
Num país que desespera por crescimento, emprego e exportações, ouvir falar de “excesso de turistas” faz-me pensar nas centenas de grandes e pequenos empreendedores que dão vida a Lisboa com a sua iniciativa, talento e capacidade de assumir riscos, e que mais não fazem, no seu dia a dia, do que gerir recursos escassos, sejam eles físicos, financeiros ou humanos. Gerir é isso mesmo.
Quem gere a cidade não pode deixar de reconhecer a enorme oportunidade que o boom turístico representa a nível económico e social, e colocar todo o seu empenho e talento na gestão adequada dos recursos escassos, de forma a que estes não constituam constrangimentos à materialização dessa mesma oportunidade. O que não se pode é colocar a questão não na perspetiva de quantos turistas aguenta a Cidade, como se a capacidade fosse totalmente exógena à forma como a mesma é gerida.
E se o recurso mais escasso é o espaço, foquemo-nos aí. Identifico três formas mais ou menos evidentes de aumentar a capacidade do espaço: distribuir mais os turistas, adaptar os serviços públicos e gerir o fator tempo.
A distribuição dos turistas pela Cidade consegue-se com o desenvolvimento de pólos de atração integrados e consistentes. Um exemplo positivo é o eixo Belém-Ajuda, um ponto tradicionalmente de visita rápida, que poderá, cada vez mais afirmar-se, com novas atrações, como o novo Museu dos Coches, o Miradouro da Ponte, o Palácio da Ajuda, ou o Maat.
A adaptação da capacidade dos serviços públicos à sazonalidade e às variações da procura é particularmente importante a nível de mobilidade, segurança e higiene urbana. Por que razão há filas intermináveis para o Elétrico 28? Não há mais composições para pôr a circular em pico? E o policiamento nas áreas históricas, foi ajustado às necessidades trazidas pelos residentes temporários? E a higiene urbana de uma cidade cuja “população” deixou de ser constante, poderá continuar a ser assegurada apenas por equipas fixas?
A terceira forma é jogar com o fator tempo. Se falta espaço no verão e sobra no inverno, por que continua a adiar-se o projeto de um grande Centro de Congressos que alimente a Cidade nas épocas baixa e média (uma aplicação bem mais estratégica da receita da Taxa Turística do que o Festival da Eurovisão)? Se há filas à porta das principais atrações turísticas, por que não se aplicam princípios de revenue management à bilhética, com preços mais baixos para compra online, e tarifas distintas consoante o mês, o dia ou a hora?
Olhar para o copo meio cheio é mais difícil do que baixar os braços e optar pelo caminho da restrição, ou simplesmente esperar que a coisa estoure. Força-nos a pensar estrategicamente e a perceber que a mudança radical que Lisboa sofreu nos últimos cinco anos obriga-nos a refazer de base zero toda a lógica de gestão e funcionamento da Cidade.
Em véspera de autárquicas, é bom que aqueles que se propõem gerir a Cidade tenham noção da enorme tarefa que têm pela frente. Lisboa não pode perder esta oportunidade.
UM CONTRIBUTO DE…
Vítor Costa / Diretor Geral da Associação de Turismo de Lisboa e Presidente da Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa
Existe algum indicador reconhecido internacionalmente para medir a capacidade de uma cidade para acolher turistas?
Não conheço nenhum caso em que se tenha definido a capacidade de carga turística de uma cidade. O limite passa por se conseguir qualidade urbana para os residentes e para os visitantes.
Existem turistas a mais em Lisboa?
Veneza tem 50 mil habitantes e recebe cerca de 28 milhões de visitantes por ano. Em Lisboa temos cerca de 550 mil habitantes e 50 mil turistas por dia, mais 15 mil estudantes estrangeiros. Estamos muito longe de um eventual limite.
A que se deve este movimento contra os turistas?
A maior parte das posições contra a “turistificação” resulta de fenómenos de imitação e de preconceitos elitistas. Os “nossos” críticos são turistas habituais, mas não suportam que os outros também o sejam. Mas a democratização do Turismo é irreversível e a viagem tornou-se uma prioridade. Quando se pergunta num concurso na TV o que faria o concorrente se ganhasse algum dinheiro, a resposta é inevitavelmente – uma viagem.
Qual a medida prioritária para aumentar a capacidade de Lisboa?
Subescrevo no essencial as propostas feitas pelo Filipe. Sublinho que o aproveitamento da capacidade de atração da marca Lisboa em benefício de mais território da Cidade e da Região é a estratégia que tem vindo a ser implementada e que permitirá um crescimento sustentado.
Na Cidade só seis das 24 freguesias têm Turismo. A Região tem recursos fantásticos para aproveitar e, com poucas exceções, está ainda muito pouco desenvolvida.
* O autor escreve segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico