Créditos: Frame It
“A minha maior motivação é gerir pessoas”
Ricardo Simões assume a chefia do restaurante Federico, no Palácio Ludovice, desde outubro de 2021.
Carla Nunes
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Texto: Carla Nunes | Fotografia: Frame It
No restaurante Federico, que junta a gastronomia portuguesa à francesa, o chef Ricardo Simões não se limita a fazer “pratos bonitos”. Atualmente, garante que vê a cozinha “não só para criar pratos, mas como uma gestão de equipas, onde se gere o negócio”. O percurso profissional do chef, a importância de manter equipas coesas e motivadas, bem como o conceito gastronómico criado para o Federico lançaram o mote para esta conversa com a Publituris Hotelaria, onde Ricardo Simões frisa, acima de tudo, o gosto pela gestão de pessoas.
O que o levou a escolher a cozinha como percurso profissional?
Queria ser psicólogo, na verdade, seguir Psicologia Criminal Infantil. Mas, entretanto, acabei o 12.º ano, não tinha média para entrar por duas décimas na altura, e não havia abundância de dinheiro. Decidi tirar um curso numa situação em que estava num ano em “banho-maria”, para decidir o que ia fazer da minha vida, e inscrevi-me na Pontinha. A partir daí fiz o meu caminho. Foi no Pestana Palace que me apaixonei completamente por isto.
A primeira experiência profissional que teve foi no Pestana Palace?
Não. Trabalhei no Real Palácio, depois fui para o Pestana. Foi realmente aí o choque da cozinha de hierarquia francesa, à antiga, a rigidez. É um exército autêntico. Foi onde aprendi a ser cozinheiro, basicamente foi a minha escola de cozinha. Nunca na minha vida tinha sonhado em seguir cozinha, no entanto, quando entrei no Pestana comecei a abraçar um mundo completamente diferente.
O Ludovice já é o nono hotel em que trabalha. A cozinha hoteleira sempre foi a sua ambição?
Sempre foquei na hotelaria, nunca quis ir para a parte da restauração, [mas também] nunca quis ser chef de cozinha, não era a minha ambição. A minha ambição era viver o dia-a-dia, aprender a ser o melhor humano, o melhor colega. Fui evoluindo. Subi as categorias que tive devido ao meu companheirismo, à minha maneira de falar com as pessoas, e no Sheraton veio-se a afirmar: fui eu próprio que pedi cursos de coaching, liderança. Hoje vejo a cozinha não só para criar pratos, mas já como uma gestão de equipas, onde se gere o negócio. Quero que a minha equipa participe, que sintam o projeto, não quero que sejam máquinas e estejam aqui só para desempenhar um papel. O trabalho de um líder sente-se quando ele não está presente. Significa que ele está a fazer um bom trabalho.
Portanto a posição de chef não era a meta.
Não, aconteceu. Foi com o Lionel Pereira, no Sheraton. É a minha grande referência. Devido à mentalidade que ele me passou e a abertura de toda a informação que ele me deu, de gerir uma cozinha, de gerir um negócio, eu percebi que tinha de seguir um caminho. Gostava de ser chef-executivo corporate de uma grande cadeia por essa razão, das pessoas. A minha maior motivação é gerir pessoas. Claro que gosto de cozinhar, é a minha maior paixão, mas dá-me prazer manter as equipas coesas e fixas. Desde que abrimos o hotel ainda só tivemos uma desistência.
Tem-se falado muito da falta de recursos humanos na hotelaria e na restauração em particular. É uma questão que também têm sentido aqui?
Aumentámos a equipa, entretanto. Temos tido sorte, mas sinto que principalmente na parte da sala há muita dificuldade. A pandemia veio mostrar muita coisa. A nossa profissão é considerada como uma das mais desgastantes que existe e as pessoas perceberam que o tempo é realmente importante. As pessoas fazendo oito horas a encher as prateleiras de um supermercado ou a servir à mesa ganham o mesmo, e num caminho tem tempo e noutro [não têm] fins-de-semana, passagens de ano, Natal. As pessoas perceberam que o tempo é muito importante e acho que essa foi a principal razão.
A saúde mental também desempenha algum papel na falta de atratividade da profissão?
É tão simples quanto isto: um chef não pode olhar para a equipa como apenas membros de trabalho, temos de olhar como pessoas, amigos. Se deteto um problema num funcionário, tenho de perceber o porquê. Às vezes é por tempo de descanso, às vezes estão cansados por problemas familiares. Mas se conseguirmos dar um descanso à pessoa – até pode não ter direito – porque não? O meu papel é fazer sempre pelo bem, tentar mantê-los cá o máximo de tempo. Às vezes pode ser uma questão financeira e se calhar podemos dar mais 20 a 60 euros de bónus à pessoa. Há sempre maneira de resolver a situação, e temos de olhar para a nossa equipa como nossos pilares, desde o copeiro até ao sub-chef. Temos de pertencer à casa, a empresa é feita de pessoas. O hotel é bonito, ok, mas e as condições? E as pessoas? As pessoas é que fazem a casa.
Assume o cargo de chef no Federico desde outubro de 2021. Quais tem sido os principais desafios desde então?
Para mim o desafio é diário, o meu dia tem de ser melhor que o dia anterior. É difícil gerir custos devido ao aumento dos custos das proteínas, devido à guerra, para poder agradar ao cliente. Criar aqui um equilíbrio de balança para poder manter a qualidade e não ferir a carteira do nosso cliente.
Isso faz com que tenham de ajustar mais o vosso trabalho?
É difícil. Queremos aumentar a carta, ou aumentar mais uma carne [à carta] e esse aumento se calhar vai refletir nas contas devido aos nossos orçamentos a nível de food cost. Estamos a falar de uma operação de um hotel de 101 quartos onde há pequeno-almoço, almoço e jantar. É uma operação grande. Ao almoço temos à volta de dez almoços, mas ao jantar é casa cheia, de 40 a 60 jantares, nunca menos que isso. O nosso desafio é esse, gerir [sob] fatores que não dependem de nós. Temos de fazer uma carta equilibrada em que o cliente não sinta o aumento para poder vir. O nosso conceito não é de experiência, de uma vez só: queremos que seja um restaurante da pessoa, do cliente. Temos casos de pessoas que vêm três, quatro vezes por mês.
Que cozinha trabalha aqui no Federico?
Uma cozinha portuguesa/francesa contemporânea de conforto. Quando lhe chamo de conforto [é porque] tudo o que fazemos é possível cozinhar em casa.
Porque decidiram juntar esta vertente, porque não manter apenas uma das nacionalidades?
Devido ao nosso patrão. Ele viveu muito tempo em França e o nosso arquiteto também está muito ligado a França. Como o nosso público também é muito francês, temos algumas nuances [na carta]. Os nossos queijos são franceses, temos muitos produtos que vamos buscar a França. [Mas] os nossos enchidos, mel e carne são nacionais. Trabalho com pequenos produtores.
Quais as principais preocupações quando criou o conceito gastronómico para o restaurante?
A pegada ecológica para ajudar ao máximo o ambiente, ir aos fornecedores diretamente, tentar arranjar o equilíbrio para o cliente francês e português. O cliente francês vai chegar cá farto do foie-gras. A minha preocupação foi com que o cliente francês não se sinta em casa, porque senão vai a outro sítio, e é aí que entra a cozinha portuguesa, para dar algo de diferente. Estamos em Portugal e faz todo o sentido apresentarmos os nossos produtos.
Sendo este um hotel que quer primar pela ligação ao vinho, como reúnem a vertente gastronómica ao vinho?
Há uma comunicação muito grande entre o sommelier e a cozinha. Depois também tem a ver com todas as experiências de vinho que temos ao cliente. Temos wine tastings, jantares vínicos, às quartas-feiras temos um produtor que vem todas as semanas expor os seus vinhos, que é gratuito para qualquer pessoa, interna ou externa ao hotel. É uma maneira de também publicitarmos o nosso restaurante. É processo em construção.
As preferências dos clientes, mudaram? Quais diria que são as novas tendências?
Muito saudável, mais para o mundo vegetariano. Cozinha com menos gordura, menos temperada. As pessoas cada vez mais estão preocupadas com a saúde.
Na sua opinião, quais são os principais desafios colocados aos chefs, atualmente?
Tudo o que foge da zona de conforto. Se chegarem ao pé de mim com um cliente vegan, temos de adaptar. Na minha ótica de negócio, vejo isto como se fosse a minha casa. Qualquer cliente que chegue aqui, independentemente das preferências, tem de ficar satisfeito.
Que conselhos deixa às novas gerações que ambicionam chegar à posição de chef?
Que sejam humildes, ter paciência, não ter pressa para chegar a chef porque isso não vai dar a lado nenhum. Acho que é importante aprender as bases, respeitar o próximo, trabalhar com as pessoas, porque cozinhar e fazer um prato bonito é a parte mais fácil. Saber respeitar o próximo é que é difícil.
Podemos esperar novidades?
Em setembro, outubro vai haver novidades, vai entrar uma nova carta. Fazemos duas a três cartas por ano, depende da minha inspiração ou da época.
E quais são os planos para o futuro?
Quero ficar aqui muito tempo. Como disse, gostava de ser chefe corporativo de uma companhia, mas sinto-me em casa aqui. Gosto de trabalhar muito tempo numa casa e acho que ainda há muito para fazer. Sou bem tratado aqui.