Estrelas que contam para o sucesso dos hotéis
De acordo com os profissionais do setor, os restaurantes premiados com Estrelas Michelin trazem não só posicionamento e prestígio aos hotéis onde se inserem, como também novos públicos, que viajem pelo mundo à procura de novas experiências.
Carla Nunes
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De acordo com os profissionais do setor, os restaurantes premiados com Estrelas Michelin trazem não só posicionamento e prestígio aos hotéis onde se inserem, como também novos públicos, que viajam pelo mundo à procura de novas experiências.
Texto: Carla Nunes | Fotografia: DR e Frame It
Após a última gala do guia Michelin Espanha e Portugal 2023 premiar cinco restaurantes portugueses com a sua primeira estrela Michelin – nos quais se encontra o Le Monument, o espaço de restauração do hotel Le Monumental Palace, no Porto – e com a renovação das duas estrelas Michelin em sete estabelecimentos portugueses – quatro dos quais inseridos em unidades hoteleiras – a Publituris Hotelaria foi tentar perceber junto dos profissionais do setor se o sucesso destes restaurantes contribui para a operação hoteleira e se verificam diferenças antes e após a atribuição destas estrelas.
Há quem afirme que estes restaurantes contribuem para o posicionamento dos hotéis no segmento de luxo, como é o caso de Jan-Erik Ringertz, diretor-geral do The Yeatman Hotel, onde está inserido um restaurante com duas estrelas Michelin. Como explica, “o The Yeatman é um hotel vínico de luxo com um posicionamento elevado, por isso, era fundamental que o universo gastronómico acompanhasse o conceito do hotel”. Na sua opinião, a atribuição da estrela Michelin “contribuiu não só para o colocar num patamar de referência a nível nacional e internacional”, como também teve “um impacto na operação hoteleira”, funcionando como “um símbolo e selo de qualidade não só do restaurante, como também dos restantes outlets e serviços do hotel”.
António Pais, diretor-geral do The Cliff Bay no Funchal, onde está inserido o restaurante de duas estrelas Michelin Il Gallo d’Oro, partilha da mesma opinião. Para o profissional, o restaurante Michelin não só traz credibilidade e notoriedade aos conceitos do hotel e do grupo – neste caso o Porto Bay – como também permite que a equipa de comidas e bebidas esteja mais motivada para trabalhar e desenvolver “os restantes conceitos gastronómicos do hotel”.
“O facto de pretendermos ter um restaurante de estrela Michelin teve que ver com o nível de perceção gastronómica acima da média por parte dos clientes. Ganhar uma estrela Michelin numa unidade hoteleira faz com que toda a equipa de comidas e bebidas esteja mais motivada e com mais vontade de desenvolver os restantes conceitos gastronómicos do hotel, [além de] credibilizar o grupo na imagem gastronómica, não só internamente, mas também para todo o mercado. [Já a] estrela verde, [atribuída em 2023], suporta e credibiliza todo um processo ligado à sustentabilidade”, afirma o diretor-geral do The Cliff Bay.
A receita Michelin para aumentar a receita dos hotéis
Os números falam por si. No caso do restaurante Feitoria, do Altis Belém Hotel&Spa, o restaurante representará 20% das receitas totais do hotel em 2023 – uma percentagem que se encontrava nos 18% em 2022, e nos 15% em 2019. Considerando apenas o departamento de comidas e bebidas, o Feitoria vai assumir 45% das receitas do hotel onde está inserido em 2023 – um valor que se situou nos 22,5% em 2022, e nos 35% em 2019. Os dados foram adiantados por Bruno Pinto Correia, diretor-geral do Altis Belém Hotel & Spa, que explica que “a porta de entrada [do Feitoria], de funcionamento independente, foi pensada para que os clientes não passem pela receção e, assim, não tenham o ‘preconceito’ de entrar num hotel para jantar”. No caso deste restaurante, este contribui com “aproximadamente 284.16 euros de TRevPar”.
Já no The Cliff Bay, as receitas de comidas e bebidas rondam os 30% das receitas totais do hotel: “O Il Gallo d’Oro não é o único conceito gastronómico que temos dentro do The Cliff Bay e, por si só, ronda os 5% a 10% de receitas”, aponta António Pais.
Por outro lado, o restaurante Le Monument, do Le Monumental Palace, assume 10% das receitas anuais do hotel, enquanto o restaurante do The Yeatman representa cerca de 8% das receitas. No caso do restaurante Ocean, inserido no Vila Vita Parc Resort & Spa, apesar de o diretor-geral da unidade, Kurt Michael Gilling afirmar que “não costumam comunicar estes números”, este assegura que “o restaurante tem uma expressão significativa nas receitas do resort”, contribuindo “claramente” para o TRevPar por ser “um restaurante com um valor de menu alto”.
Novas ementas, novos públicos
Além do posicionamento e prestígio que os restaurantes estrelados conferem aos hotéis, os profissionais referem ainda que estes trazem novos públicos às unidades hoteleiras.
Para Kurt Michael Gilling, “ter um restaurante distinguido no guia Michelin foi um fator de atração para um segmento de clientes muito distinto” do que costumavam receber até à data. Como explica, “o Vila Vita passou a estar de forma mais vincada no roteiro de foodies e gourmands, que passaram a fazer questão de vir experimentar o Ocean”. Também Manuel Santos, diretor-geral do Le Monumental Palace, inserido na marca Maison Albar Hotels, assegura que “a atribuição da estrela Michelin tem tido um impacto positivo na operação hoteleira”.
“O hotel tornou-se mais apetecível para agências especializadas na venda de experiências turísticas gastronómicas, tanto a nível nacional como internacional. A diferença ainda é pouco notória, mas o potencial futuro é grande e está neste momento em construção”, garante Manuel Santos.
No restaurante Feitoria, premiado em 2011 com a primeira estrela Michelin, o galardão também trouxe um aumento da procura pelo restaurante: “Existia um mercado que, até então, era desconhecido para a nossa realidade. Os clientes que viajam pelo país, pela Europa e pelo mundo à procura de novas experiências e produtos são os nossos principais visitantes. Passámos a ter clientes que nos visitam apenas pelo restaurante e que aproveitam para ficar hospedados no hotel”, explica Bruno Pinto Correia, que vinca ainda a “mais-valia” de ter um espaço como o Feitoria para o mercado de reuniões e incentivos (MICE).
A pressão como motor da excelência
E do lado dos chefs à frente destes espaços de restauração, será que o peso das estrelas Michelin afeta o seu trabalho? As opiniões dividem-se.
Para André Cruz, chef-executivo no Feitoria, “a pressão surge inevitavelmente” já que “a este nível o rigor é enorme, é tudo meticulosamente organizado”. Como afirma, “recebemos clientes de todo o mundo, com experiências gastronómicas de grande nível e, por isso mesmo, impressionar os comensais é sempre uma tarefa exigente”. No entanto, o chef é da opinião de que “resta-nos [ver a pressão] como um fator positivo para melhorar o nosso trabalho” – um ponto sustentado pelo chef-executivo do restaurante Fifty Seconds, Filipe Carvalho, que afirma que a pressão “ajuda a querer mais e melhor”.
Também o chef Julien Montbabut, do Le Monument, sente “o peso da responsabilidade, mais do que a pressão”, uma vez que “há clientes que poupam durante algum tempo para poderem vir a um restaurante destes, ou que viajam de propósito para vir jantar no restaurante” – no fundo, “são momentos importantes para as pessoas e não podemos desiludir qualquer cliente”.
O chef Ricardo Costa, do restaurante do The Yeatman, afirma que a pressão existe, “sem dúvida”, mas no que diz respeito à atenção necessária “a todos os detalhes de um prato”. Para o conseguir “foi preciso ganhar um nível de rigor, disciplina e consistência que se tornam fundamentais” não só para o chef, como para a equipa.
Por outro lado, a pressão parece não afetar o trabalho dos chefs à frente dos restaurantes Ocean e Il Gallo d’Oro. Para Hans Neuner, chef no Ocean, a pressão para manter a estrela não influencia o seu trabalho, pelo menos não no dia-a-dia.
“Claro que se pensa nisso, mas quando estamos no processo criativo a fazer experiências e a criar o menu, não há tempo para isso. A nossa atenção está mais em aperfeiçoar a experiência que estamos a criar e na satisfação de quem nos visita todas as noites”, defende.
Já para o chef Benoît Sinthon, à frente do Il Gallo d’Oro, a pressão não influencia o seu trabalho “porque já estamos neste meio há muitos anos”. Como afirma, “sabemos o campeonato que é, o rigor que exige, a importância de ter uma boa equipa e sermos criativos, mas sempre respeitando os sabores”.
O caminho por trilhar até às três estrelas
No caso português ainda não existe num espaço de restauração galardoado com três estrelas Michelin. Quando questionados sobre o que falta para Portugal arrecadar a terceira estrela, todos os chefs entrevistados foram unânimes: é apenas uma questão de tempo.
Na opinião do chef Benoît Sinthon, “dentro da lista dos sete restaurantes com duas estrelas Michelin, o Vila Joya e o Ocean fazem parte dos candidatos para a terceira estrela e, claramente, outros chefs portugueses estão muito bem e a caminho de o conseguir”. Para o profissional, “o Michelin está a olhar para estes candidatos, garantidamente, e penso que em breve vai acontecer porque já é merecido”.
Também André Cruz é da opinião de que em Portugal “temos dois ou três restaurantes de topo que, no meu entender, têm condições para serem premiados com as três estrelas, mas aqui a decisão é do guia. Resta-nos pensar que poderá estar para breve e, quando acontecer, será excecional para a gastronomia e turismo”.
Se o chef Ricardo Costa, do The Yeatman, considera que “seria um marco importante para Portugal ter um restaurante a atingir a terceira estrela”, já que “permitiria delinear melhor o caminho, prever o futuro e algumas tendências do mundo gastronómico”, primeiro é necessário construir uma base sólida no panorama português, com “mais representatividade da restauração tradicional”.
“Mais importante do que [conseguir uma terceira estrela] seria haver mais representatividade da restauração tradicional com, pelo menos, uma estrela: um restaurante de leitão, uma marisqueira ou até uma cervejaria são conceitos que fazem parte da nossa identidade e que precisam de ganhar mais notoriedade. Não tenho dúvidas de que se houvesse mais sete ou oito estrelas nesses negócios mais clássicos, existiria uma base muito maior e mais forte para suportar um restaurante com três estrelas Michelin”, defende Ricardo Costa.
Sobre a recente criação de cerimónias diferentes para Espanha e Portugal para a entrega das Estrelas Michelin, Filipe Carvalho afirma que “valoriza separadamente dois países muito fortes gastronomicamente e com excelentes profissionais e produto”.
Apesar dos chefs entrevistados concordarem que as galas independentes contribuem para uma maior visibilidade do país no panorama gastronómico, o chef Benoît Sinthon acredita que esta separação “se deve à articulação e gestão por parte da própria Michelin”: “Portugal tem vindo a ter cada vez mais estrelas e, por isso, faz sentido que tenha um guia separado, mas sempre mantendo a ligação a Espanha”, defende. Também o chef André Cruz é da opinião de que a separação não vai mudar “os critérios de avaliação do guia, nem acredito que haja mais estrelas por isso”, apesar de acreditar que desta forma será “sempre mais evidenciado o que se faz no nosso país”.
Por fim, e no entender do chef Ricardo Costa, “Espanha tem dos melhores restaurantes do mundo e estar presente nas cerimónias tem sido também uma fonte de contactos e de troca de experiências”. No entanto, “aplicar este modelo em Portugal será uma ótima aposta para a gastronomia portuguesa, tanto a nível de reconhecimento interno na área, como à escala internacional”.
“O facto de já contarmos com a conquista de várias estrelas Michelin permite-nos criar um guia próprio e estarmos mais expostos, o que acaba por ser muito positivo e, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade para Portugal”, termina.