“A nossa diferenciação passa por sermos um pequeno retiro perto da cidade”
O Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel cumpre em 2022 um ano de atividade.
Carla Nunes
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No século XVIII, a quinta da Senhora da Rosa era conhecida pela produção de laranjas, até uma praga ter dizimado a plantação e obrigar os proprietários da herdade a optar pela cultura de ananases. Passada de mão em mão por várias gerações, a quinta transformou-se séculos mais tarde em estalagem, em 1994, pelos pais de Joana Damião Melo. Apesar de terem sido “visionários naquela época”, numa altura em que o turismo nos Açores estava longe dos valores atuais, a estalagem acabou por “não ter a procura que se desejaria” e encerrar em 2011, como explica a filha do casal. Volvidos dez anos, Joana Damião Melo pega nas rédeas do projeto e transforma a herdade no Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel, não só para recuperar o património familiar, mas também por acreditar no potencial do produto. Em entrevista à Publituris Hotelaria, a coproprietária faz o balanço deste primeiro ano de atividade, dos públicos que pretendem captar e dos planos para o futuro.
A quinta esteve fechada durante dez anos. Decidiram voltar a pegar neste projeto e abriram em 2021. Porque fizeram esta aposta na região?
Quando a Senhora da Rosa fechou portas tinha a minha carreira profissional fora dos Açores e não era ainda a altura [para regressar]. Também pouco conseguiria fazer a nível de recuperação. Tive de deixar encerrar um ciclo e concentrar forças e energias num segundo projeto [para a unidade], que veio dignificar o que existia no passado com novos conceitos, decoração e uma abordagem diferente ao mercado.
Regressei à ilha em 2015 porque sempre achei que a Senhora da Rosa e a sua localização e produto tinham muito potencial, [além da] vontade de recuperar um património antigo de família. Em 2019 conseguimos concretizar a compra. Muitas pessoas esquecem-se do interior da ilha – a maioria dos investimentos são feitos na costa, à beira-mar. Ao ter vivido aqui, no meio desta quinta, sempre apreciei e conheci o seu potencial. Acreditei que se o produto fosse bem trabalhado, enquadrado, se aproveitássemos a riqueza natural e cultural que temos à nossa volta faria todo o sentido.
Quanto investiram neste projeto?
O valor total do investimento foram 6.100 milhões, arredondados, o que inclui a aquisição do imóvel, a remodelação e a preparação para a abertura.
O que vos diferencia das restantes unidades de quatro estrelas de Ponta Delgada?
A nossa unidade é muito diferente do que existe no mercado pela nossa localização e entorno, numa quinta do século XVIII. Claro que existem outros hotéis na ilha que também estão no meio de jardins e até no meio de um parque, [mas] a nossa diferenciação passa por sermos um pequeno retiro perto da cidade – estamos rodeados de natureza, mas a cerca de cinco minutos de Ponta Delgada.
[Tivemos ainda] uma forma mais arrojada de apostar na decoração e nos vários ambientes do hotel: temos oito ambientes distintos, do restaurante ao rooftop, do spa… A ideia foi trazer para dentro do hotel as cores e a imagem da natureza e elementos que remontam a recordações do nosso património e história, através de peças antigas. É uma mistura de uma decoração contemporânea com peças mais modernas, atuais, que foi cuidadosamente pensada para transmitir os conceitos do hotel, que é a natureza e a tradição.
Outro ponto de diferenciação, que é um trabalho constante e diário, diz respeito ao serviço. Tentamos ao máximo que o serviço seja muito personalizado, acolhedor e que o nosso cliente, quando chega, sinta que está num pequeno empreendimento, um hotel boutique. Muitas vezes [os clientes] dizem que se sentem em casa e isso é exatamente a sensação e o serviço que queremos dar aos nossos hóspedes.
Que balanço é possível fazer deste primeiro ano de atividade?
Extremamente positivo, tirando o primeiro trimestre do ano, que foi muito duro, ainda com grandes impactos devido à pandemia. Tirando isso, a partir de abril foi sempre crescendo, tanto a nível de ocupação como preço médio. Toda a ilha sentiu este crescimento e também acompanhámos a vaga. O mês de setembro está a ser muito bom, o de outubro também e agora os próximos meses são os típicos meses mais difíceis, mas estamos a trabalhar para atenuar ao máximo essa sazonalidade. Estamos já a trabalhar inclusivamente para o próximo verão, [já que temos] algumas reservas para o próximo ano.
Que medidas vão adotar para contornar essa sazonalidade?
Estamos a trabalhar com o mercado americano para ver se conseguimos ter este público não só em época alta, mas também ao longo do ano – de acordo, também, com medidas tomadas por algumas companhias aéreas, de manter [certas] rotas durante todo o ano, especialmente com os Estados Unidos.
O mercado espanhol também é um mercado que, apesar de não ter ligações diretas todo o ano, está a merecer especial atenção da nossa parte, porque mostrou muita recetividade no destino e no nosso produto em concreto. E depois o mercado nacional, sem dúvida. É o nosso primeiro mercado, portanto será trabalhado durante todo o ano. Vamos começar a lançar os nossos pacotes de fim-de-ano, que o ano passado já foram um sucesso – tivemos a casa cheia e a nossa expetativa é que este ano também se venha a replicar.
Depois, ao longo do ano trabalhamos com vários OTA’s, fazemos campanhas à medida para determinados períodos do ano para incentivar essas vindas em época mais baixa, temos os nossos parceiros locais com quem trabalhamos e criamos pacotes interativos para trazer pessoas nessa época menos propícia.
Qual o perfil dos vossos hóspedes? O que procuram?
O mercado nacional é o mais importante, logo a seguir ao mercado alemão, espanhol e americano. Temos uma idade média que está pelos 43 anos. O perfil do nosso hóspede é um bocadinho transversal, porque temos vários produtos dentro do hotel. O nosso produto mais procurado para casais e luas-de-mel são os cafuões, no meio da quinta. Mas também temos muitas famílias a ficarem connosco, porque no hotel temos espaços comunicantes e estamos preparados para oferecer um serviço personalizado aos mais pequenos, [através de] um Kid’s Club e um check-in dedicado às crianças. Cada vez mais trabalhamos com o mercado corporate, com grupos a nível de eventos sociais e reuniões empresariais. Por termos uma capacidade de 35 quartos, a capacidade é a ideal para ficarem em exclusivo connosco e terem o seu próprio ambiente e espaço.
Durante a altura da pandemia foi curioso, porque também trabalhámos muito com o mercado local. Porque não podiam, ou não queriam, ir para fora, acabaram por utilizar a hotelaria local, e aí conseguimos alcançar um público muito jovem. Mas também vemos vários casais jovens a virem do continente – [Espanha é], se calhar, dos mercados estrangeiros que nos traz um segmento mais jovem.
Que importância tem a vossa oferta gastronómica para a unidade?
Apostamos em dois espaços de restauração, o Magma e o Mirante. O Magma é o nosso restaurante principal, com cozinha tradicional de autor, onde a ideia é servir os sabores locais sazonais. Usamos com muita frequência a nossa carta para dar a conhecer o que a terra tem de melhor para oferecer e é muito procurado não só pelo hóspede, mas também pelo cliente local. O Mirante Rooftop Bar é um restaurante que só está aberto aos jantares e funciona um bocadinho como uma alternativa ou uma segunda opção ao nosso hóspede, mas que trabalha este ano uma cozinha asiática. Curiosamente, ao termos lançado esse novo conceito, atraímos muita clientela local. Ambos funcionam bem com o hóspede e o não hóspede e são muito importantes para a oferta total do hotel a nível de serviços.
Foram afetados pela falta de mão de obra?
Sem dúvida. Não conheço ninguém que não tenha sido afetado. Estamos a tomar medidas para que o próximo ano seja mais tranquilo a esse nível. Procuramos estabilidade e para que isso seja possível sem dúvida que temos de ter uma equipa coesa, forte, dedicada e com a experiência necessária para prestar um serviço personalizado aos nossos clientes. Fizemos um investimento grande na área de recursos humanos porque, a meu ver, é a área que necessita de uma maior intervenção e de resultados rápidos. Quando digo rápidos, é porque já estamos focados na próxima época alta, [para a qual] não falta assim tanto tempo, e para formar as pessoas que não têm experiência, esses meses são necessários. Estamos desde 1 de setembro a ativar novas estratégias na área de recursos humanos.
Há alguma área onde precisem de mais pessoal?
A área em que sentimos mais dificuldade este ano, e que vai seguramente ocorrer no próximo ano, é a área de F&B, portanto, sala, mesa-bar e cozinha. Essas são as áreas mais difíceis a nível de recrutamento.
Como anteveem a atividade para o próximo ano com a previsão da crise?
Seremos sempre muito cautelosos, lendo todos os sinais disponíveis nos vários mercados que nos trazem os nossos [hóspedes], embora numa gestão cuidadosa, tomando decisões com muita ponderação para não correr riscos desnecessários. Já abrimos no meio de uma pandemia, portanto, já foi um risco bastante grande. Agora o que se segue também tem de ser gerido da forma mais responsável possível.
Quais são os planos para os próximos anos?
Durante 2023 vamos focar na parte de recursos humanos, sem dúvida. É outro tipo de investimento, é um investimento nas pessoas, que para mim neste momento, enquanto responsável pela operação do hotel, é o mais importante. Em paralelo, estamos sempre a tentar aperfeiçoar o nosso produto com pequenas melhorias, [pelo que], em 2023, vamos tentar entrar numa outra área de negócio, o outsider catering – fornecer os nossos serviços a nível de alimentação e bebidas fora do hotel. Isto porque temos uma equipa muito bem preparada para o fazer, com muita experiência em hotéis onde já trabalhámos juntos previamente. Em 2024 poderá haver mais algumas novidades, mas ainda é muito cedo para revelar.