“Obviamente que pensei ser chef um dia. [O momento] chegou mais rápido do que pensava”
André Cruz sucedeu a João Rodrigues na liderança do Restaurante Feitoria em maio.
Carla Nunes
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Os primeiros passos no Feitoria começaram em 2009. Agora, André Cruz assume a cozinha do restaurante do Altis Belém Hotel & Spa, um cargo que até abril era ocupado pelo chef João Rodrigues.
Após um percurso que considera “sólido”, e depois de uma viagem gastronómica pelo Chile e a Bolívia, o chef André Cruz assegura a liderança com uma nova carta, a “Semente”.
O que o fascinou na cozinha?
Sempre tive muita curiosidade em fazer coisas de pastelaria em casa. Quando decidi entrar na Escola de Hotelaria do Estoril, a ideia era ir para pasteleiro. Mas depois a coisa foi mudando. A cozinha foi-se tornando muito interessante para mim, [pelo] improviso e a adrenalina. Na pastelaria temos que ser um bocadinho mais certinhos. Gosto de estar muito solto e a cozinha deu-me essa possibilidade.
Quem foram os principais mentores no início desta aventura e como o influenciaram?
[Um deles foi] o chef Bertílio Gomes, que na altura trabalhava no restaurante Vírgula. Usávamos os melhores produtos do país e estávamos a fazer um grande trabalho, muito honesto, verdadeiro. E depois, obviamente, o João Rodrigues, com quem trabalhei muitos anos. Temos uma ligação de amizade muito profunda.
É necessária alguma simbiose na cozinha para que as coisas resultem?
Quando chegamos a um nível de ligação e trabalho tão próximo como aquele que eu e o João tínhamos na altura, tem que haver mais do que profissionais para chegarmos a um determinado patamar. Geralmente, a ligação pessoal também pode ajudar a que as coisas se construam. Obviamente, nem todos os chefs e subordinados são amigos. Nem têm que ser! No nosso caso somos, e as coisas aconteciam com muita naturalidade e o que aparecia era realmente giro e bonito.
Como descreve a passagem do Vírgula para o Feitoria? Foi uma mudança grande ou uma transição natural?
São sítios e estilos diferentes. Na altura, o Vírgula tinha um nível muito alto, tanto em termos de produto como técnicos. Quando vim para o Feitoria não tinha a estrela Michelin, era um projeto novo, algo que estava a crescer. Mas claro que era impactante. O próprio investimento do Altis Belém era muito falado em Lisboa, [bem como] o chef Cordeiro, que assumiu pela primeira vez a unidade. Foi uma transição diferente, mas são dois sítios muito bons, que me marcaram muito.
Notou diferenças entre o serviço de restaurante de rua e de hotel?
Sim, a dinâmica é muito diferente. Neste restaurante temos um estilo mais clássico, cuidado. O outro era mais dinâmico, simples, tranquilo. [Mas] não se pode dizer qual é o melhor. São diferentes, e se calhar por isso ganhei algumas valências – trabalhei solidamente nos dois e consegui envolver-me com a operação. Tornaram-me um profissional mais capaz, com mais ferramentas.
De onde surgiu a necessidade de fazer uma pausa e viajar para a América do Sul?
Querer experienciar algo mais profundo, mais distinto, como dizem lá. Tinha que ter uma experiência que rompesse com aquilo que estava a ter até então. Falei com um grande amigo meu, o Ruben, que trabalha no Gadanha, em Estremoz, e fomos pela América do Sul fora com um estágio combinado no Boragó, [no Chile, do chef Rodolfo Guzmám]. Tivemos uma experiência realmente incrível de produtos e estilos de vida totalmente diferentes. Depois também passámos pelo Gustu, [na Bolívia, da chef Kamilla Seidler]. São mundos diferentes, e isso é que é giro quando viajamos. Trazemos um mundo novo para dentro da nossa realidade e crescemos com ele.
Enquanto profissional passou a percecionar os ingredientes de forma diferente?
Às vezes tentamos complicar e o bichinho que o chef [Rodolfo Guzmám] nos incutia era de simplificar, desmistificar, interpretar, haver um motivo para usarmos isto ou aquilo. Pensando desta maneira, as coisas tornam-se muito mais especiais, verdadeiras e coerentes.
Há algum prato que guarde na memória dessa viagem?
Tínhamos um que estávamos sempre a brincar com o nome, o Congro com caldo de cochayuyo. É uma alga grande, um bocadinho sem jeito, mas o [chef Guzmám] olhou para aquilo, interpretou e fez um caldo maravilhoso. Como era um nome giro, e o prato muito cénico, foi o primeiro que me veio à cabeça.
Havia ainda o tártaro de veado, o primeiro prato que comecei a empratar no Boragó. Tinha umas folhinhas que recoletávamos, porque todas as semanas íamos ao campo apanhar ervas. Foi muito engraçado porque fui ter com o rapaz que estava a empratar e perguntei-lhe se havia algum método ou especificidade, e ele diz-me: “Tens que fazê-lo como se estivesses a olhar para um bosque”. Ok, grande ajuda! [risos].
O que trouxe na bagagem e aplicou no Feitoria?
Liberdade, em termos de pensamento. Quando saí de Lisboa ia um bocadinho desmotivado, e a viagem até aconteceu por causa disso. Deu-me a liberdade que sentia que não tinha. Conheci-me muito mais e trouxe esta liberdade de querer fazer coisas diferentes e não ter problema em fazê-las.
É a primeira vez que assume um projeto. Alguma vez tinha considerado fazê-lo? Imaginou que pudesse ser no Feitoria?
Se me perguntasse há um mês se iria ficar aqui como chef executivo, ia dizer-lhe que não estava bem [risos]. Mas a coisa aconteceu desta maneira. Normalmente, o chef executivo fica e os números dois vão saindo, é a vivência natural de um restaurante. Nunca pensei ficar no Feitoria, a coisa aconteceu realmente muito rápido. Obviamente que sim, pensei ser chef um dia. [O momento] chegou mais rápido do que pensava.
Porque optou pelo conceito do Semente?
O conceito ainda está a ser trabalhado. O menu teve que ser feito rapidamente, porque quis dar o meu cunho ao menu. O nome “Semente” nasceu porque, quando plantamos, é na expetativa que cresça algo. E o “Semente” é isso: um menu que foi semeado e agora está com perspetivas de crescer, de se desenvolver, e de um dia ser uma flor ou árvore bonita na restauração.
Como surgiu a paixão pela natureza?
O gosto nasceu quando era pequeno. Os meus avós acolheram-me no Douro e passei lá muito tempo, aquilo é quase uma casa para mim. Tive experiências incríveis que se calhar, hoje em dia, muitos miúdos não têm, como beber o leite acabado de sair das vacas, cultivar, andar a cavalo…. Hoje tenho dois espaços com a minha mulher: um no Pinhal Novo, onde passamos muito tempo, e terrenos no Norte, com olival, montado, agrícolas. Gostava muito de trazer [esta vivência] para a carta, porque é algo que me caracteriza.
A sustentabilidade também é uma preocupação que cabe aos chefs?
Tem que ser uma responsabilidade de cada chef. Somos naturalmente formadores. O chef de cozinha que coordena uma equipa e um restaurante está todo o dia a formar profissionais, e é necessário ter bem presente a importância da sustentabilidade e passá-la [aos colaboradores]. Se em 20, 30 pessoas pudermos mudar o chip a três ou quatro, já valeu a pena todo o trabalho.
Qual o maior desafio para um chef, atualmente?
Formar equipas e consolidá-las. Acho que isso também vai ser um desafio para os chefs do futuro – olhar para as equipas e pensar se os ambientes mais hostis fazem sentido, se as 15 a 16 horas [de trabalho] por dia fazem sentido. Será que é saudável? [Atualmente], a cozinha tem que ser atrativa para os jovens. Se não tiverem vontade de vir para a restauração, vai ser muito difícil formar equipas e consolidá-las. Este será um grande desafio para o futuro: ter equipas boas e competitivas, mas felizes.