“Corremos o risco de não conseguir satisfazer quem nos visita”
Fernando Garrido assumiu, recentemente, a presidência da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP), mas conhece a casa há bastantes anos. Ao leme da associação, a linha condutora será de continuidade, com a criação da Ordem dos Diretores de Hotéis como objetivo principal. As críticas vão para o atual “cartão de visita” que é dado pelo aeroporto de Lisboa, bem como pelos serviços do SEF que não “satisfazem quem nos visita”.
Victor Jorge
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Fernando Garrido assumiu, recentemente, a presidência da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP), mas conhece a casa há bastantes anos. Ao leme da associação, a linha condutora será de continuidade, com a criação da Ordem dos Diretores de Hotéis como objetivo principal. As críticas vão para o atual “cartão de visita” que é dado pelo aeroporto de Lisboa, bem como pelos serviços do SEF que não “satisfazem quem nos visita”.
Centrado num trabalho de continuidade, Fernando Garrido, novo presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP), salienta o desafio dos recursos humanos, bem como a valorização do capital humano que, atualmente, mais do que contratar, é preciso reter a todo o custo. A proximidade com a academia também é destacada, embora o maior objetivo passe por conseguir criar a Ordem dos Diretores de Hotéis num mandato que tem a “responsabilidade” de comemorar os 50 anos da ADHP. Globalmente, e a bem do turismo nacional, há que melhorar a experiência de quem nos visita, logo a partir do aeroporto.
Tomou posse no início de maio. Que ADHP encontrou e quais são os primeiros passos ou as primeiras linhas orientadoras a seguir?
Na prática já estava na direção anterior. Ainda no meu tempo de estudante fazia parte da ADHP Júnior, fiz parte da direção durante 12 anos. Este foi sempre um trabalho a dois, com outra equipa, mas desde há muito que acompanho este projeto com o Raúl Ribeiro Ferreira, meu antecessor. Na prática é um trabalho de continuidade, não começamos nada do zero.
Portanto, não existe rutura com o que vinha a ser feito?
Não, não de todo, pelo contrário. A continuidade deste projeto foi única e exclusivamente porque o Raúl não podia continuar. Não era nosso objetivo mudar os estatutos. Fizemos uma alteração dos estatutos para criar alguma margem para a associação inovar, mas nunca numa perspetiva de quebrar os princípios, uma mudança na associação.
Essa inovação passa especificamente pelo quê?
Passa pelo reconhecimento da profissão, que é um caminho no sentido da Ordem dos Diretores, porque na realidade, mais do que nunca, os recursos humanos são fundamentais e é o ponto fulcral para o bom funcionamento de um hotel.
O diretor é o agregador, uma pessoa altamente especializada e há que reconhecer essa especialização. Há uma grande responsabilidade na direção de um hotel. Mas, voltando à questão inicial, o Raúl fez um trabalho fenomenal, conseguiu capitalizar a associação e criar uma maior seriedade ao redor da mesma. Numa fase em que a associação estava um pouco mais adormecida, ao estar mais presente, começámos a ter um pouco mais de visibilidade e, na realidade, isto é um trabalho de continuidade.
Desde a Júnior, há 20 anos, sempre tivemos uma grande ligação às universidades e o caminho passa exatamente por aí: a junção entre a academia e o meio profissional, não só porque podemos influenciar a questão dos currículos das universidades, mas, claramente, dizer o que é que o mercado necessita.
E passar, efetivamente, da teoria à prática.
Exatamente. E isso, de alguma forma, não é uma crítica especifica da hotelaria, mas é a excessiva especialização dos académicos, ou seja, muito na filosofia dos doutorados e pouco dos práticos. As universidades estão a ir muito nesse caminho, doutorados, doutorados, doutorados e depois, consequentemente, os especialistas têm uma margem muito menor, ou seja, estão menos presentes e são eles que possuem essa experiência.
De qualquer forma, no caso da hotelaria e do turismo, tem havido um equilíbrio e as universidades, na sua generalidade, têm feito esse aproximar do meio e têm trazido especialistas para as suas aulas e currículos. Dessa forma continuaremos a influenciar o meio.
Por outro lado, para além da ligação às universidades, temos o objetivo de criar um Conselho Pedagógico dentro da associação, em que vamos reunir todas as universidades que tenham cursos de gestão hoteleira, não só as privadas como também as públicas. E isso é uma inovação, coisa que nunca se fez.
Mais do que contratar, reter talento
Tocou no ponto dos recursos humanos que, de facto, é apontado não só pela hotelaria, mas pelo universo do turismo em geral, como um dos grandes desafios pós-pandemia. Existe, de alguma forma, uma desvalorização de certas e determinadas funções dentro da hotelaria?
Temos um desafio muito grande e, efetivamente, os recursos humanos têm sido o nosso grande pesadelo.
Enfrentamos uma falta de recursos como nunca existiu. Neste momento, não sabemos onde ir buscar recursos, só podemos pedir ajuda e aí a ajuda tem de partir das entidades oficiais, no caso a Secretaria de Estado e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para se forçar ou promover, de alguma forma, a possibilidade de integração de imigrantes. E esses acordos têm de ser estabelecidos quanto antes.
Há que, efetivamente, valorizar quem trabalha na hotelaria. Toda a gente diz que se está a pagar mal no setor. A verdade é que já não é tanto assim. Quando retomámos a atividade, a base salarial estava, efetivamente, assente sobre um princípio de há 30 anos, em que o salário era baixo, mas a remuneração variável era substancialmente alta. Aí sim, era de alguma forma desajustada. Os salários eram baixos, mas eram compensados pelas gorjetas. Com a mudança da filosofia do tipo de cliente, essas remunerações e gorjetas acabaram por ser mais desajustadas e a remuneração começou a reduzir indiretamente.
Neste momento, a verdade é que a maioria dos grupos hoteleiros, para além de já terem integrado os contratos coletivos de trabalho – nomeadamente o da AHP, em que há uma alteração significativa das remunerações –, fizeram acertos salariais a variar entre os 15 e 20% a mais. Por isso, a remuneração desajustada já não é propriamente um dos problemas.
Mas continua a ser o ponto mais focado no setor?
Sim, mas verdade é que isto é uma coisa muito recente. Estamos a falar entre março e maio, em que todos os grupos tiveram de se ajustar. De outra forma, não conseguiam reter talento. Não é contratar, é reter talento.
Neste momento, esse é o grande desafio, os recursos humanos. Mas na realidade a remuneração já não é propriamente o problema, embora se fale ainda muito dela. A questão do ajuste da vida pessoal à vida profissional é outro grande desafio numa atividade que é de pessoas para pessoas, mas onde têm de estar presentes sete dias por semana, 24 horas por dia e 365 dias por ano. Porque nós não fechamos. Contudo, reconhecemos que há formas de flexibilizar.
A AHRESP levantou, há tempos, uma questão interessantíssima que é a dos horários concentrados, uma complicação por causa dos sindicatos. Mas a verdade é que, hoje em dia, as pessoas preferem trabalhar mais horas se isso representar mais descanso a posteriori. Mas também tem de partir dos colaboradores essa vontade e demonstrá-la claramente. Há uns anos fazíamos surveys junto dos colaboradores e a resposta era salário, salário, salário. Agora, já é muito mais a filosofia de vida pessoal, família.
Outro dos pontos é tornar as profissões mais apetecíveis. Por exemplo, há uns anos, os cozinheiros não eram valorizados. Hoje, ser cozinheiro ou chef de cozinha é altamente reconhecido. E esse é o caminho. É claro que foi uma situação fruto de toda uma conjuntura, de programas televisivos, de visibilidade de alguns chefs, tudo isso contribuiu para essa notoriedade.
O novo presidente da AHP, Bernardo Trindades, dizia, recentemente, que não compreendia como é que o setor da hotelaria deixou de ser trendy, “sexy”. Como é que se pode inverter isso? Melhores salários, conjugar vida profissional com a vida pessoal, dar outros incentivos?
Agora fala-se muito do salário emocional e cada vez mais isso acontece, desde mais dias de férias, o dia de aniversário… são complementos que às vezes para a empresa poderão não significar muito, mas que os colaboradores reconhecem.
Mas voltando à questão de tornar as profissões do setor mais “sexy”, acho que há aqui um trabalho importante a fazer por parte da tutela. Dou um exemplo: há uns anos, quando o serviço militar deixou de ser obrigatório, fomos pulverizados com anúncios na televisão a dizer junte-se às Forças Armadas. Acho que um dos caminhos é esse. Hoje em dia, temos de chamar a atenção para um setor que salvou o país numa situação de crise económica no passado e que vai ser o fator que vai contribuir para a recuperação do país no pós-pandemia. Isso é garantido. Agora, como é que nós nos tornamos mais “sexys”? Há quem escolha este setor para estudar e seguir carreira, mas há muitos jovens que são indiferenciados e que podem vir trabalhar para áreas mais operacionais. Esses jovens são realmente os operacionais que nos fazem muita falta, aqueles que muitas das vezes não dão a cara, serviços invisíveis, mas fundamentais para a operação hoteleira. São imprescindíveis, fulcrais, sem eles não conseguimos operacionalizar a atividade.
Tal como a formação contínua?
Exatamente. Mais do que nunca, os hoteleiros estão a dar formação, quer àqueles jovens que vêm das escolas para fazer estágios, quer àqueles que não têm qualquer formação e são integrados.
Mas isso está a ser comunicado? Essa preocupação em mostrar que se dá essa formação?
Está a ser cada vez mais comunicado por cada uma das unidades hoteleiras. Continuamos um bocadinho focados para dentro do setor, embora, hoje em dia, com as redes sociais, as coisas sejam diferentes.
Má experiência à entrada
No discurso de tomada de posse frisou que “se não houver recursos para prestar serviços de qualidade, de nada vale publicitar o destino”.
É exatamente isso. Neste momento, continuamos massivamente a comunicar, e muito bem. Durante a pandemia, Portugal realizou comunicação para o exterior como poucas vezes foi feita. Mas neste momento, se não houver recursos, de pouco vale publicitar o destino.
Corremos o risco de não conseguir satisfazer quem nos visita. E isto, logo desde a entrada no país. Esse é outro dos grandes problemas. A questão do aeroporto. É fulcral resolver-se. A ausência de uma decisão é completamente atroz. Faz-nos regredir uma série de anos e já perdemos dois anos.
Coloca em causa a tal recuperação económica e o plano do turismo para 2027?
Claramente. O ano de 2019 foi dos melhores que alguma vez houve no turismo em Portugal, atingimos recordes em termos de ocupação do aeroporto de Lisboa. Estamos com taxas de ocupação elevadíssimas, temos objetivos mais ambiciosos, o número de unidades hoteleiras continua a crescer e não temos capacidade de integração.
Temos um grave problema de indecisão. Seja Montijo, Beja, Alcochete ou outra solução. Não podemos ter o cliente a demorar duas ou três horas para entrar em Lisboa. Temos de colocar o turista, como noutras capitais europeias, num espaço de 40 minutos na cidade e com conforto. Isso é fundamental.
A questão do SEF é outro dos grandes problemas. O nosso primeiro cartão de visita para pessoas fora do espaço Schengen é de duas horas de espera, no mínimo. As pessoas vêm com vontade de entrar no país e de repente, o nosso cartão de visita, é esse? É péssimo. O cliente fica logo com uma má imagem. Depois estamos cá nós (hotelaria) para mudar a imagem.
A Ordem
Voltando a uma linha condutora da sua presidência, o que é que uma Ordem traria de novo ou diferente?
A Ordem é um caminho no sentido de fazer com que, não havendo uma regulamentação, exista um princípio de obrigatoriedade. [Que] de alguma forma, os diretores também estejam em constante formação. Existiria uma corresponsabilização quer dos diretores, quer do próprio setor. Ou seja, para utilizar a terminologia, o diretor do hotel teria de ser reconhecido pela Ordem. O diretor de hotel tem uma responsabilidade extremamente elevada, trata da área de recursos humanos, marketing, segurança, sustentabilidade.
O que impede a criação dessa Ordem?
Neste momento, o mais importante é que a tutela reconheça a possibilidade, e quando falo da tutela não estou só a falar da Secretaria de Estado. No passado, a profissão foi regulamentada, um pouco por imposição europeia, e o caminho não será regulamentar outra vez a profissão. A Ordem será um meio termo. Será permitir que a profissão, de alguma forma, seja reconhecida e garantir que as pessoas que estão no meio estejam plenamente formadas para bem do nosso turismo, que é o nosso futuro.
Para esse futuro, tem existido coordenação, ligação, trabalho em equipa entre as várias associações da hotelaria e do turismo existentes em Portugal para os vários problemas e desafios que aí estão?
Mais que nunca, a pandemia trouxe-nos essa proximidade, sem dúvida. Já no passado havia uma grande proximidade entre associações e temos uma forte proximidade com a AHRESP e AHP.
Um dos grandes promotores dessa proximidade tem sido a CTP, através do seu presidente [Francisco Calheiros].
Outro desafio com que a hotelaria é confrontada é a questão dos preços. Em que medida isso vos preocupa e que impactos poderão ter?
Está a ser desafiante para este retomar. Não tenho a menor dúvida que 2022 vai ser um ano fantástico, em especial a seguir ao primeiro trimestre, apesar de termos ficado (somente) 5,2% abaixo de igual período de 2019, o que é impressionante.
Tivemos dois anos parados em que houve pouco investimento, porque as empresas estavam desfalcadas, os apoios eram reduzidos e, neste momento, a segurança de uma estabilidade não existe. Antes da pandemia tínhamos reservas com uma antecedência de 15 dias, três semanas. Tínhamos um portefólio de clientes em carteira que nos dava garantias. Hoje em dia, num hotel, temos antecedência de reservas de dois dias. Ou seja, começo o mês com 40% e posso chegar ao final do mês com 80 ou 90%, o que transmite uma grande instabilidade e insegurança às administrações.
O preço médio tem-se conseguido aumentar, porque a procura continua elevada. No entanto, não conseguimos refletir os custos adicionais, não só ao nível do talento, já que tivemos de fazer um maior investimento para reter pessoas, não para contratar. O custo nas matérias-primas está a subir de forma completamente avassaladora. Temos produtos a subirem mais de 100%, as margens estão a reduzir.
Mas a verdade é que há uma grande vontade de as pessoas se movimentarem e voltarem a viajar.
Durante a pandemia, o turismo em Portugal viveu muito à custa do turista nacional. Acredita que isso se manterá ou tal como todos os outros, o português vai querer viajar para fora?
Acho que a pandemia teve coisas boas e essa foi uma delas. O português começou a descobrir o próprio país e houve regiões que, de alguma forma, durante a pandemia, continuaram a trabalhar muito bem, nomeadamente as regiões do interior. Os portugueses conheceram destinos únicos no país e acredito que isso vai continuar. Não necessariamente como foi durante a pandemia, em que tiraram férias para ir para o interior. Mas [n]os short breaks, em vez de irem para o exterior, vão para Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Vila Viçosa, para diversas regiões do interior.
Mas claro que também vão procurar o exterior. Estamos todos ansiosos por retomar a vida normal e as viagens fazem parte dessa normalidade.
Houve dois aspetos que foram reforçados durante a pandemia: digitalização e sustentabilidade. Como é que os diretores de hotéis olham para estas duas vertentes cada vez mais relevantes na operação?
Efetivamente, durante a pandemia houve uma evolução informática gigante por parte das pessoas. Hoje em dia, o cliente está plenamente preparado e já não passa por uma questão de transmitir essa mensagem digital, o cliente já está à espera. Dou-lhe exemplo muito prático: quando entra num quarto de hotel, já não vemos aquela pasta com imensa informação. Agora está tudo no QR Code. Inovou-se, ou melhor, modernizou-se.
Já temos o check-in online, existem inúmeras coisas que são feitas sem intervenção humana, de forma digital.
Isso, contudo, não quer dizer que a parte humana vai desaparecer. Vai continuar, mas de forma diferente. O cliente vai [continuar] a precisar do rececionista para o aconselhar relativamente a um bom restaurante ou ao melhor local a visitar.
Continuaremos certamente a ser uma indústria de contacto, de pessoas para pessoas. Não há dúvida nenhuma. Pode haver áreas em que a intervenção humana possa ser minimizada, mas se precisarmos dela, está lá.
Quanto à sustentabilidade, é notório que o cliente procura saber, de facto, que políticas é que o hotel pratica, mas acredito que a questão da sustentabilidade até está a partir mais das próprias empresas do que do cliente.
Há uma série de fatores que nos obriga, naturalmente, a olhar para dentro e ser sustentáveis, gastar menos papel, ter uma política energética sustentável, ter uma política de sustentabilidade ao nível dos recursos humanos, do talento, suster, ter, formar e informar.
Está na associação há bastante tempo, mas enquanto presidente começou agora. Fazendo um bocadinho de futurologia, que marco gostaria de deixar à frente da associação?
A ADHP vai comemorar 50 anos no próximo ano. Isso é uma responsabilidade gigante para mim. Estamos a falar de meio século e realmente é algo que me preocupa. Queremos e devemos deixar uma marca dos 50 anos da associação.
Mas um dos marcos que gostaria de deixar, não será propriamente uma questão do Fernando Garrido, mas de toda uma direção: conseguirmos chegar à Ordem ou, pelo menos, deixar os alicerces criados para que se chegue a essa Ordem dos Diretores de Hotel.
Outro marco é a grande proximidade com a academia, não só transmitirmos as necessidades do mercado como, também, captar os futuros associados. No futuro, serão eles que vão estar no nosso lugar. Isto é um trabalho que vem desde a Júnior e que sempre foi uma linha condutora.